A Revolta de 26 de agosto de 1931, em Lisboa, surge na sequência da derrota da “Revolta das Ilhas” (abril-maio de 1931) e do clima de enorme indecisão reinante entre as diferentes famílias políticas de oposição à Ditadura no Continente. Com o fim de desmobilizar a revolta armada, a Ditadura ia propalando a promessa de umas eleições administrativas, como acontecera na vizinha Espanha, em 1930. Essa era uma ideia que sempre obteve apoio entre os setores moderados da oposição. Em 1927 e em 1929, republicanos como António Maria da Silva e Cunha Leal chegaram a manter negociações com ministros da Ditadura, mas sem qualquer resultado prático, a não ser o de desmobilização da luta antiditatorial. Esta solução de transição pactuada tinha a completa oposição do bloco revolucionário que alimentou a luta contra a Ditadura desde 1927 – seareiros, esquerdistas (de José Domingues dos Santos), acionistas (de Álvaro de Castro) e elementos críticos do PRP (Agatão Lança). Estes preconizaram sempre a revolta armada e a constituição de um governo revolucionário suprapartidário, capaz de reformar a República e evitar o regresso ao status quo ante, a que não desejavam voltar.
EM TEMPO DE DERROTA
Na verdade, o “26 de agosto de 1931” ocorreu num momento de grande refluxo do movimento revolucionário e de desapontamento perante a intransigência da Ditadura em face de qualquer tipo de transição por via eleitoral.
No Continente, chegou a estar programada uma saída dos revoltosos para secundar a “Revolta das Ilhas”, durante o mês de abril. Sucessivamente adiada, acabou num completo desastre, com prisões e apreensões de armamento no dia 2 de maio e seguintes. Na mesma linha, os levantamentos da Guiné e de S. Tomé, estrategicamente programados para o mesmo mês de abril, haviam redundado também em fracasso. Sucederam-se prisões e deportações em massa, desta vez para Cabo Verde e, às três exigências dos revoltosos, o ministro da Marinha responde com falsas intenções ou com repressão redobrada. Ao pedido dos revoltosos para que fossem feitos inquéritos judiciais rigorosos às deportações, o Governo responde com a instituição do primeiro “campo de concentração” no Tarrafal de S. Nicolau. À exigência de que fossem atendidas as justas reivindicações dos madeirenses, o Governo respondia que já tinha encarregado o delegado especial da sua solução e à exigência de eleições, o ministro da Marinha dava conta de que já tinha sido publicado o novo Código Administrativo para regulá-las.
Na Guiné, constituiu-se uma Junta Revolucionária, sobre o comando do coronel médico Gonçalo Monteiro Filipe, que tomou o Quartel de Bolama e fez uma expedição a Cabo Verde para obter o apoio daquele arquipélago. A revolta terminou a 6 de maio, com a rendição ao delegado especial enviado pela Ditadura. Em S. Tomé, já tardiamente, a 11-12 de maio, o capitão Silvério do Amaral Lebre comandou uma revolta a que aderiram outros oficiais e funcionários e mesmo alguns nativos contra o Governador.
Nos meses seguintes, as oposições dividem-se inteiramente entre a via de transição pacífica e a via revolucionária para derrubar a Ditadura. Em 22 de junho, as oposições moderadas, onde avultam as figuras do líder socialista Ramada Curto e do general Norton de Matos, firmam um acordo eleitoral em torno da Aliança Republicano-Socialista , num compromisso que chegou a mobilizar frentes eleitorais locais, mas que estava desfeito pouco tempo depois, perante a intransigência dos ditadores – para eles, “Revolução” ou “Pacto” tinham o mesmo efeito, que era o de trazer de volta o republicanismo parlamentar.
O Manifesto da ARS foi subscrito Adriano António Crispiniano da Fonseca, Amílcar Ramada Curto, António de Almeida Arez, Carlos Belo de Morais, José Francisco de Azevedo e Silva, José Mendes Cabeçadas Júnior, Mário de Azevedo Gomes, Mário de Castro, Maurício Costa, Tito Augusto de Morais e José António Simões Raposo Júnior.
A REVOLTA ARMADA
Cientes da nulidade da via pacífica, as esquerdas revolucionárias representadas pela Liga de Paris e pelo recente “Comité Revolucionário” instalado em Madrid depois da implantação da II República em Espanha, desencadearam uma última tentativa revolucionária, que sai à rua em Lisboa em 26 de agosto de 1931.
A forte componente civil do movimento de 26 de agosto e a condução militar dos acontecimentos por sargentos e oficiais de baixa patente indicia uma orientação estratégica com novos contornos ideológicos, onde a “rua” passava a ganhar um lugar por direito próprio e não apenas como “tropa de choque” dos militares revoltosos.
O “Memorial” da Revolta, composto de vários documentos, foi publicado no oficioso “Diário da Manhã” nos primeiros dias de setembro de 1931. Não deixava dúvidas sobre a sua orientação revolucionária quando propunha a formação de um Governo Provisório, com larga capacidade de ação para realizar a republicanização do Estado e largas reformas no domínio administrativo, económico e sindical, para além da promoção de um futuro processo eleitoral.
O Programa Político dos republicanos revolucionários teve desenvolvimentos estratégicos em 1932/33, passando a designar-se de programa da “Frente Única”, acordado por várias famílias políticas no exílio galego. O Programa foi apreendido a Sarmento de Beires quando da sua prisão em 21 de novembro de 1933 e foi publicado nos grandes órgãos de comunicação nacionais nos primeiros dias de dezembro.
No comando do movimento estão oficiais fiéis às ideias orientadoras da Liga de Paris, com destaque para o coronel Hélder Ribeiro, um ex-acionista do partido de Álvaro de Castro e o major Sarmento de Beires, um seareiro, embora Jaime Cortesão, na altura empenhado em obter o apoio do Governo Espanhol (através de Manuel Azaña e de Indalecio Prieto) refira que houve grande dificuldade em coordenar as decisões do “verdadeiro Comité Revolucionário” – entenda-.se, o de Paris . E isso era de esperar porque, no terreno, os comandos militares dividiam-se entre a obediência à linha revolucionária defendida pelo Comité de Paris e uma outra que sempre estivera mais inclinada a um entendimento com os ditadores, moderada nos fins a atingir. Para estes últimos, bastava-lhes a restituição das liberdades, a libertação dos presos políticos e a retoma da atividade constitucional anterior. Esta era, de resto, a atitude defendida, por esta altura pelo general Norton de Matos e por elementos da Maçonaria que vieram a estar comprometidos com o comando do Movimento de 26 de agosto. Estão neste caso os coronéis Dias Antunes e Utra Machado e o Prof. Raposo Simões Jr., na altura Secretário da Aliança Republicano-Socialista.
A Revolta teve um evoluir rápido, mas muito intenso. Mobilizou artilharia pesada de Metralhadoras 1 (Parque Eduardo VII), artilharia ligeira de Sacavém, meios aéreos da Base Aérea de Alverca, Sapadores Mineiros de Queluz e muitos civis – desta vez a maioria dos intervenientes -, organizados em barricadas montadas nas Avenidas Novas, no Jardim Zoológico e em Telheiras. Em torno da Rotunda do Marquês, nas Avenidas Novas e Campo Grande desenvolveram-se os principais polos de conflito, instalados às primeiras horas da madrugada e rapidamente vencidos ao longo do dia pelas forças situacionistas.
Cfr. Luís Farinha, O Reviralho Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo 1926-1940, Estampa, Lisboa, 1998.
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