Mário Soares nasceu em Bula, região de Cacheu, em 15 de fevereiro de 1946. Em 1961, colocado como professor da missão católica, foi mobilizado por José Sanhá e Bernardo Mango, seu padrinho e “incumbido de mobilizar e enquadrar as massas populares nas fileiras do PAIGC, em Bidjanta, secção de Empada.”
A 28 de junho de 1962 foi preso por militares do Batalhão de Caçadores 237, ao sair de Bidjanta, numa zona em que o partido tinha levado a cabo uma operação de sabotagem com “corte de fio telefónico, destruição de pontes e troncos nas estradas que dão acesso à cidade de Empada.” Foi interrogado num sítio chamado Mato Kon: “Apesar da tortura, permaneci firme, escondendo os segredos do partido.”
Passou um mês preso em Tite, sendo depois enviado para a Ilha das Galinhas, onde ficou mais um mês: “E daí juntaram-me a mais alguns presos que vieram dos três campos de concentração, Tite, Bula e Bafatá, perfazendo 100 pessoas. Fomos transferidos para o Tarrafal, no N/M «África Ocidental».”
Tinha 16 anos, fez os 17 no Campo de Concentração do Tarrafal, de onde só sairia em 1969: “Éramos chamados e nos perguntavam se estávamos arrependidos. Eu respondia que não estava arrependido porque eu não sabia do que era acusado. Por causa disso, achavam que ainda tínhamos a ideia de sermos “terroristas”. É isto que os leva a manter-me no Tarrafal até 1969.”
No Tarrafal trabalhou como servente na reparação das casernas das tropas portuguesas e residência dos guardas: “Éramos sempre acompanhados pela polícia. Não nos deixavam entrar em contacto com os pedreiros cabo-verdianos.” Sentiu sempre, no entanto, solidariedade dos presos cabo-verdianos e, quando se deslocavam a Cidade da Praia para tratamento médico, havia uma senhora cabo-verdiana, Mementa, que lhes fornecia jornais, “às escondidas, para a polícia não ver.”
No campo fez parte de um grupo musical: “Em vez de ficarmos lá sem fazer nada, nós, os mais jovens, resolvemos criar esse grupo, Cumussa – Conjunto Musical do Sentimento Africano. Servia para animar os mais velhos.”
Em 1969, quando o último grupo de presos guineenses, de que fazia parte, foi informado que iria voltar à Guiné, não souberam se iam ser soltos ou mudados para outra prisão: “Quando chegámos, fomos metidos na sede da PIDE e noutro dia levados para o Palácio, onde estava o Spínola. Ele discursou e o nosso mais velho, Rafael Barbosa, também. Também o António Silva Ferreira, que esteve em Cabo Verde connosco, discursou.”(…) Depois disso viemos a saber que alguns dos nossos companheiros foram para o mato e tomaram parte na morte do nosso líder.”
Vigiado pela PIDE, ficou a trabalhar na Junta Autónoma dos Portos – tendo chegado, depois da independência, a administrador dos Portos da Guiné-Bissau. Foi também deputado, membro do Comité Central e do Bureau Político do PAIGC.
Marcado pelos muitos anos passados no Tarrafal, não esconde sentir por isso um grande orgulho: “Eu lá nunca desanimei. Qualquer dia vamos ser livres! – era o meu pensamento.”
Texto e fotografia a partir de "Tarrafal-Chão Bom, Memórias e verdades", de José Vicente Lopes, a quem agradecemos.