Natural do Porto, Ângelo Matos Mendes Veloso ingressou na Universidade daquela cidade e, posteriormente, transferiu-se para Lisboa, onde se destacou no movimento político estudantil, continuando, aliás, a actividade já iniciada no MUD Juvenil.
Em 1949, aderiu ao PCP e, em 10 de abril de 1951, é preso pela primeira vez. Em 4 de fevereiro de 1955 é de novo preso, acusado de ser "membro da associação secreta e subversiva "Mud-Juvenil" (integrava a Comissão Central do MUD Juvenil). Na cadeia, é sucessivamente punido, incluindo 30 dias de "prisão na própria cela".
Julgado com outros 82 antifascistas pelo tribunal plenário do Porto, foi condenado, em 12 de junho de 1957, na pena de 2 anos de prisão, considerada "expiada com a prisão preventiva já sofrida", acrescendo a medida de segurança de internamento por período não inferior a 6 meses e suspensão de direitos políticos por 15 anos, sendo transferido para o Forte de Peniche. Em 28 de março de 1959, é "restituído à liberdade condicional pelo período de 5 anos".
Em 1959 passa a funcionário do PCP e mergulha na clandestinidade. Assume sucessivamente o controlo de organizações em Lisboa e Vale do Tejo. Em 1966 é cooptado para o Comité Central como suplente e em 1967 passa a membro efectivo.
Preso pela terceira vez em 25 de maio de 1969, só viria a ser libertado em 1974.
Em democracia, Ângelo Veloso foi deputado à Assembleia Constituinte e à Assembleia da República, e em 1985 foi candidato a Presidente da República apresentado pelo PCP.
No VIII Congresso do PCP foi eleito membro suplente da Comissão Política, e no X Congresso passou a membro efetivo, no qual se manteve até ao XIII Congresso (Extraordinário).
Faleceu em Lisboa, a 16 de setembro de 1990.
Memória de Rita Veloso
Já por várias vezes escrevi textos com as minhas memórias do período da ditadura e da revolução. Neles, adopto sempre uma perspectiva feliz, dada pelos olhos da criança que era. O Sol e o mar de Peniche, as brincadeiras nas visitas ao meu pai, as ingenuidades de uma criança que tinha de lidar com termos confusos, como clandestinidade ou preso político. Afinal, se não guardarmos da infância memórias felizes, de quando guardaremos?
No entanto, é óbvio que essa perspectiva resulta de um filtro aplicado a uma realidade bem diferente.
Além de todas as misérias que afectavam a generalidade das crianças no período da ditadura – a subnutrição e a fome, o analfabetismo, o trabalho de sol a sol, as doenças vorazes – e que contrastavam brutalmente com as regalias das elites, havia as dificuldades específicas dos miúdos que nasciam em famílias de quem se atrevia a combater o regime, as quais se podiam somar ou não às anteriores.
Crescer na clandestinidade implicava estar-se privado de qualquer sociabilização fora do universo da família nuclear, à excepção de idas fugazes ao médico ou às compras de rotina. Não se usufruía de mimos e ensinamentos dos avós ou dos tios, não havia as brincadeiras com primos ou amigos, aspectos essenciais ao pleno desenvolvimento da personalidade do indivíduo, que se quer num ambiente seguro, carinhoso e estimulante, que questione o intrigante mundo dos outros. Em contrapartida, convivia-se vinte e quatro horas por dia com pais e irmãos. Desenganem-se os que pensam que isso era um privilégio: a tensão em que estas famílias viviam, resultante não só da situação de foragidos como também do convívio forçado e a natural, era sufocante e repercutia-se inevitavelmente nas suas crianças. Vivia-se numa bolha hiperprotegida e asfixiante. A isso juntava-se a instabilidade da contínua troca de casa, com mudanças feitas à pressa, que deixavam para trás as nossas referências físicas afectivas.
Quando chegava a idade escolar, o mais tardar, tudo mudava inexplicavelmente. Com mais ou menos conversas incompreensíveis, as crianças eram subitamente entregues a alguém da família, para poderem ir à escola sem levantar suspeitas e de forma estável. Não é preciso explicar o quão dolorosa era para pais e filhos esta separação. Em muitos casos, o contacto só foi reestabelecido na idade adulta, resultando, geralmente, em mágoas e acusações imperdoáveis. Muitos filhos questionaram o direito dos seus pais a constituir família naquelas condições, agravando ainda mais a dor que os pais já sentiam com o afastamento forçado.
O que levava tantos homens e tantas mulheres a optar por uma forma de vida que, de previsível, só tinha o dinheiro contado, a insegurança, a prisão e a tortura, o isolamento da família? Não seria, certamente, a sede de protagonismo, nem se tratava de semideuses ou heróis.
Serão, porém, seres com um profundo sentido de justiça e uma imensa capacidade de abnegação; indivíduos para quem o bem-estar próprio ou dos filhos vale tanto quanto o bem-estar de todos e para quem o primeiro não existe sem o segundo. Nem sequer se trata de abdicar de uma vida tranquila em prol dos outros; são indivíduos para quem a vida não é tranquila enquanto não houver justiça, igualdade e liberdade.
Eu tenho, assumidamente, muito orgulho nos pais que tive e não os recrimino pelos eventuais danos que as suas opções me causaram. Mas não os admiro nem lhes devo mais do que a todos os homens e mulheres, anónimos ou famosos, que um dia decidiram que iam mudar o mundo, mesmo que não viessem a ver o resultado.
A 25 de Abril de 1974 saiu-se da ditadura, mas não se construiu um mundo justo, igual e livre. Um mundo assim não é nunca uma obra acabada; exige um trabalho permanente de construção e manutenção, para que os direitos de hoje não sejam os privilégios de amanhã, para que a tradição de ontem seja uma discriminação hoje e conduza a um direito amanhã.
Hoje em dia, lutar por um mundo melhor não envolve os riscos que existiam antes do 25 de Abril, mas é mais difícil do que há 20 ou 30 anos. Se nada fizermos hoje, daqui a 10 anos será pior e daqui a 20 pior ainda será. Afinal, que mundo queremos nós deixar aos nossos filhos?
(25 de abril de 2014)