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Revolta Armada ou Insurreição Popular?

Os efeitos da derrota foram desastrosos, com dezenas de mortos e centenas de feridos e com locais particularmente flagelados pela aviação, como ocorreu em redor do Forte de Almada. Para além das zonas já referidas, os revolucionários estenderam ainda a sua ação à zona Oeste, tendo Sarmento de Beires ocupado a Câmara Municipal de Loures e tomado de assalto a GNR local, num gesto mais simbólico que significativo do ponto de vista operacional. As prisões e deportações sucedem-se aos milhares, entre civis e militares, no dia 26 e seguintes.

A Penitenciária, a Cadeia do Aljube e a Fortaleza de Peniche ficaram repletas de presos ao mesmo tempo que muitos militares foram enviados para os fortes de Sacavém, Elvas e S. Julião da Barra. Em 2 de setembro, o navio "Pedro Gomes" saíu de Lisboa com destino a Timor, levando, segundo o Diário de Lisboa, 358 deportados, enquanto o oficioso "Diário da Manhã" apresenta uma lista de 380 presos (296 civis e 84 militares) - alguns desses deportados foram sendo "distribuídos" por Angra do Heroísmo, S. Tomé e Príncipe e Angola, seguindo a maioria viagem para Timor - VER lista completa em 380 deportados.

SOB OS VENTOS DE ESPANHA

Em 22 e 23 de novembro de 1931, em Beirys, arredores de Bayonne, França, Bernardino Machado, o “patriarca” dos republicanos exilados, busca a unidade das duas diferentes estratégias em confronto desde 1927 – revolta armada sob um programa mínimo, defendida pelos setores moderados da oposição no interior, ou “governo provisório revolucionário”, como pretendiam desde o início os seareiros e as outras forças políticas radicais. Porém, o Conselho Supremo da Revolução, onde pontificavam Afonso Costa e Bernardino Machado – numa aspiração de unificação de esforços daquelas duas famílias oposicionistas -, nunca chegou, de facto, a existir, na prática .
Os tempos eram agora outros, depois da instauração da II República em Espanha e do endurecimento da repressão em Portugal. À habitual política de retração perante o “perigo espanhol” dos setores moderados, opunha-se a clara defesa da obtenção de apoio monetário e em armamento de Espanha pela parte do Comité de Paris e dos revolucionários de Madrid. E à habitual reserva do bloco institucional do Reviralho em manter fora das decisões o bloco das esquerdas extra-parlamentares, opunham-se agora personalidades como Afonso Costa ou José Domingues dos Santos, para quem a República só fazia sentido se fosse uma “democracia social”, com uma componente socializante que obrigava que esse “bloco das esquerdas” fosse tido em conta, tanto no processo de transição como na sociedade futura. José Domingues dos Santos admitira mesmo em Beiryz que, na transição, era bem possível que o processo pudesse bem acabar em guerra civil. E Afonso Costa aparecia por esta altura a defender um “socialismo integral”, inseparável segundo ele das respostas que era preciso dar ao capitalismo na sua fase de pós-guerra, com a admissão da divisão da terra latifundiária e a nacionalização ou municipalização de setores chave da economia, como o dos transportes (cfr.“Uma entrevista com o Dr. Afonso Costa”, in Diário de Notícias, 26-11-1932
Os “ventos de Espanha” contaminavam mesmo homens como o liberal Cunha Leal, exilado na Corunha nos primeiros tempos da II República e depois, nos primeiros meses da Frente Popular (cfr. Cunha Leal, Ditadura, Democracia ou Comunismo. O Problema Português, Imprensa Moret, Corunha, 1931, p. 174). À reconhecida insensibilidade republicana perante a questão social, opunha Cunha Leal um programa intervencionista de inspiração Keynesiana, onde cabia a intervenção corretora do Estado, a cogestão dos trabalhadores nas empresas, o estabelecimento de um salário mínimo e mesmo um emparcelamento da terra conseguido, se necessário, pela “expropriação forçada” – “um novo evangelho democrático”, nas suas palavras. Nas suas considerações sobre a “nova aurora” propunha um programa avançado de regeneração das massas, com a admissão da educação universal e gratuita, mesmo no ensino secundário”  . 
A amnistia concedida pela Ditadura em final de 1932 – que fez regressar temporariamente ao país muitos exilados –, interrompeu, por alguns meses, uma nova reorganização das oposições exiladas, que só veio a correr no Outono de 1933, quando já não restavam dúvidas para ninguém sobre o tipo de Estado Novo corporativo e fascista que estava a ser implantado com toda a legislação saída em setembro daquele ano. Por esta altura, em Vigo, realizam-se reuniões que unem as diferentes correntes ideológicas e partidárias (esquerdistas, democráticos, acionistas, liberais) num programa de “Frente Única” que ficou conhecido como “Projeto de Plataforma de Frente Única das Forças Populares motoras da Democracia”. Trata-se um programa que, refletindo as ideias socialistas, ou tendencialmente socializantes dos líderes do Comité de Paris, previa uma organização política popular, em que uma “Câmara Técnica” seria constituída por representantes sindicais, com voto consultivo, a laicização completa dos serviços de ensino e saúde e a nacionalização de um conjunto de setores fundamentais, entre eles os Caminhos de Ferro e Tabacos, bem como a municipalização dos latifúndios .
Tratava-se de uma evolução política e ideológica significativa, mas que ficaria anulada pela instalação definitiva do Estado Novo e pela chegada ao poder, em Espanha, do governo conservador do II biénio. Foi, no entanto, o lastro sobre o qual se alicerçou a conjunção republicano-comunista de 1937-1938 – a Frente Popular Portuguesa -, sob a inspiração da vitória das frentes populares de Espanha e de França. 

Continuação de O "canto do cisne" da Resistênci Republicana Armada