Nasceu em Luanda, a 28 de julho de 1935, filho de Carolina Van-Dúnem. Preso em Junho de 1959, era então chefe do sector oficinal na firma Gomes &Irmão: “Éramos jovens, mas naquele tempo já tínhamos o sentimento de revolta em relação àquilo que a polícia colonial fazia aqui aos africanos”.
Pertencia ao MIA, Movimento pela Independência de Angola, fundado por Viriato da Cruz e Ilídio Machado: “O grande cérebro do processo dos 50 era o Ilídio Machado. Ele é que coordenava o MIA, (…) e ele é que controlava o ELA, através do [Joaquim] Figueiredo, funcionário dos Correios . E é ele também que controlava um outro grupo onde estavam o eng. [António] Calazans Duarte, portugueses, e dois ou três angolanos, através do Helder Neto.(…) A nossa sorte era ter esses indivíduos portugueses que eram anticolonialistas, antifascistas, e eles é que distribuíam os panfletos na parte baixa da cidade.” (Onde à noite os negros não podiam circular.)
No julgamento, integrando o 2º grupo do chamado “Processo dos 50”, (processo n.º 34/60) foi condenado a três anos de prisão e medidas de segurança de seis meses a 3 anos.
Desterrado para o Tarrafal em Fevereiro de 1962, recorda que, durante a passagem pela Ilha do Sal, o alferes que comandava as tropas que ali os guardavam lhes disse: “Amigos, não tenham medo, tenham calma, estamos aqui e temos o mesmo pensamento que vocês. O que pudermos fazer para vos defender nós fazemos.”
Levados de lancha para a ilha de Santiago, foram depois a pé para o campo de concentração: “E o sentimento que me veio á cabeça, era aquilo que os mais velhos nos haviam informado: “Bom, aqui, agora, acabou! É para um indivíduo morrer.”
Chegou ao Campo do Tarrafal a 25-02-1962 e saiu com liberdade condicional a 11-09-1964.
Puseram-nos a carregar pedras de um lado para o outro do campo: “Pedras grandes, cada uma pesava 5, 10,15 quilos… (…) E quando passassem todas as pedras para um lado, voltávamos a carregar as pedras para outro lado.”
A situação mudou depois de uma visita ao campo de Adriano Moreira: “Deixámos de carregar pedras e deu instruções para termos uma hora de recreio e nessa hora que nos dessem uma bola de futebol, para jogar, e também autorizou-nos a ir à praia. Então, todos os fins-de-semana, com a polícia atrás, íamos ao banho.”
Durante a visita, Adriano Moreira terá perguntado ao diretor da cadeia, Queimado Pinto, se os presos eram da FNLA ou do MPLA, ao que aquele respondeu que não tinham nada a ver com aqueles movimentos: “Porque, quando se desencadeou o 4 de Fevereiro, nós estávamos presos havia dois anos, por isso achavam que nada tínhamos a ver com o MPLA.”
Durante a visita, os presos estavam em fila, sendo o último Hélder Neto. “O Adriano Moreira foi passando, estendendo a mão, cumprimentava: “Então, como está, está bom?” E quando chegou ao fim da fila e deu com um branco exclamou: “Oh, você aqui, como é que veio parar aqui?” E o Hélder Neto: “De avião como os outros.””
A denúncia feita na ONU por Lúcio Lara, Mário Pinto de Andrade e Gentil Viana sobre a situação dos presos no Tarrafal, forçou também algumas mudanças: “Passados uns meses o campo foi cercado por arame. A seguir tinha uma vala, em cima do muro estava a polícia cabo-verdiana, dentro do quintal é que havia polícias portugueses. E nós quando saíamos no recreio passávamos encostados ao muro onde estavam polícias cabo-verdianos que nos punham ao corrente do que se estava a passar lá fora em relação a nós. (…) Até que uma vez os polícias disseram-nos: “Vocês vão começar a sair, porque há uma decisão das Nações Unidas para libertar os presos em Cabo Verde”.”
Beto fez parte da segunda ou terceira leva, em 1965: “Diretos para Angola, com residência fixa, com obrigatoriedade de semanalmente nos apresentarmos na PIDE. (…) Depois passou a de 15 em 15 dias, e essa apresentação só terminou com o 25 de Abril.”
Recordando o trabalho e a fome, Beto recorda também o carinho da população do Tarrafal: “Do muro dava para ver as pessoas a passar e essas pessoas, quando nos viam, nos saudavam, acenavam, e isso dava-nos um grande alento. E quando nós saímos, os presos de delito comum, ao nos verem, assim que se abriu o portão, bateram palmas, fizeram adeus.”
Por tudo isso, e também pelo que passaram ali os portugueses da primeira fase do campo – “Caramba, nós não passámos metade do que eles passaram. Eles, sim, passaram mal.” – Carlos Alberto Van-Dúnem não tem dúvidas: “Aquilo devia mesmo ser transformado num museu, com historial, os nomes das pessoas, os objetos.” “Um museu dos ex-presos de expressão portuguesa.”
Texto e fotografia a partir de "Tarrafal-Chão Bom, Memórias e verdades", de José Vicente Lopes, a quem agradecemos.
Ver também na Associação Tchiweka de Documentação (https://tchiweka.org):
Entrevista (excerto) realizada em Luanda a 06-09-2012, por São Neto, no âmbito do projeto "Angola - Nos Trilhos da Independência"
Fotografia de Beto Van Dúnem utilizada na brochura «Le Procès des Cinquante. La répression colonialiste en Angola», editada na Bélgica em 03-08-1960.