Médico, escritor e historiador, antifascista, Jaime Cortesão foi uma figura de grande prestígio nos meios da Resistência ao regime de Salazar.
É uma das mais insignes figuras da cultura portuguesa de meados do século XX, a par de António Sérgio. Revelou-se um proeminente intelectual, político e homem de intervenção cívica, e um grande historiador, um personagem ímpar que deixou uma extensa obra, repartida entre a literatura, a poesia, o conto e o drama, e a história, portuguesa e brasileira.
Nasceu a 29 de Abril de 1884, em Ançã, concelho de Cantanhede, no distrito de Coimbra. A sua trajectória académica é marcada pela mudança de cursos e por passagens pela Universidade de Coimbra, pela Escola Médico-Cirúrgica do Porto e pela Universidade de Lisboa, onde concluiu a sua licenciatura em medicina. Participa nas manifestações estudantis do período em que foi estudante (1898-1910), tendo papel de relevo na Greve Académica de 1907, quando então frequentava o curso no Porto. Foi professor no Porto de 1911 a 1915.
Simpatizava com os ideais anarquistas e defendia o republicanismo democrático. Ingressou na Maçonaria, em 1911 (maçon com o nome simbólico de Guyau, na Loja Redenção, de Coimbra). Esta diversidade de interesses e a paixão política encurtam a sua carreira como médico.
Envolveu-se no movimento revolucionário de 14 de Maio de 1915 e entrou na Guerra de 1914-1918 como voluntário do Corpo Expedicionário Português, no posto de capitão-médico miliciano. Nesta qualidade participou na Campanha da Flandres (1918), foi ferido em combate e foi-lhe atribuída a Cruz de Guerra. Posteriormente, escreveu um livro sobre este episódio da sua vida, intitulado «Memórias da Grande Guerra».
Apesar de ter optado pela medicina, Cortesão manifesta desde cedo o gosto pelas letras, colaborando na edição de revistas literárias e de crítica social. Com Leonardo Coimbra e outros intelectuais, fundou em 1907 a revista Nova Silva. Em 1910, com Teixeira de Pascoaes, colaborou na fundação da revista A Águia, e em 1912 dá início à Renascença Portuguesa, que publicava o boletim A Vida Portuguesa. Em 1921, separando-se da Renascença Portuguesa, é um dos fundadores da revista Seara Nova.
No Parlamento, foi deputado, pelo círculo do Porto, nas fileiras do Partido Democrático de Afonso Costa, do qual se afastou em 1917. Lutou contra o Sidonismo e participou nos combates contra as incursões monárquicas de 1919. Depois da guerra, assumiu um posicionamento apartidário, embora mantivesse uma crítica atenta relativamente ao poder.
Após participar como voluntário no combate à Monarquia do Norte, assumiu o cargo de director da Biblioteca Nacional de Lisboa, de 1919 a 1927. No entanto, apesar de se manter distanciado das lides partidárias, não se afasta da actividade política e participa no Grupo de Propaganda e Acção Republicana e na União Cívica, entre 1922 e 1923. Ainda em 1922, acompanha António José de Almeida na sua visita oficial ao Brasil, onde tem contactos com intelectuais brasileiros.
Com o advento da ditadura, participa da revolta de 3 de Fevereiro de 1927, sendo obrigado a exilar-se na Galiza, e, posteriormente, em França. Regressa a Espanha em 1931, já acompanhado de Moura Pinto e Jaime de Morais, sendo um dos «Budas» e desenvolve acção política em Madrid, em contacto directo com os socialistas espanhóis. Durante este período trava amizade com o escritor Alfonso Castelao, fundador do Partido Galeguista, e com outros membros dos movimentos nacionalistas espanhóis. Em 1934 foi um dos envolvidos no fornecimento de armas para a Revolta das Astúrias, sendo obrigado a exilar-se em França, onde permanece até 1935, quando os envolvidos no movimento começam a ser libertados. De regresso a Madrid, acompanha o governo republicano após o golpe de Franco.
Participa do II Congresso Internacional de Escritores Antifascistas, realizado, em Julho de 1937, nas cidades de Barcelona, Valência e Paris. Envolvido no Plano Lusitânia, é o responsável por alguns dos contactos externos do grupo dos «Budas», entre os quais Armando Cortesão, seu irmão e representante do grupo em Inglaterra. Em Fevereiro de 1939, juntamente com Jaime de Morais e as respectivas famílias, atravessa os Pirenéus a caminho de França. Ali permanece até 1940, escrevendo textos de propaganda sobre a guerra para o governo inglês, por intervenção do irmão. Em Junho do mesmo ano, quando, ao lado de Morais, volta ao território português, é preso juntamente com o restante da família e acompanhantes. Permanece na cadeia até o mês de Outubro e embarca, depois, com um passaporte de turista (visado pela polícia política PVDE) para o Brasil, onde chega em Novembro do mesmo ano.
A sua reputação como historiador e intelectual permite que ocupe o lugar de Bibliotecário no Real Gabinete Português de Leitura, apesar do conservadorismo e da reserva dos dirigentes relativamente ao ilustre exilado. Permanece no cargo até 1944, ano em que vai ser professor no Instituto do Itamaraty, do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Neste mesmo ano, é agraciado com a Ordem do Cruzeiro do Sul pelo governo brasileiro.
Para além das actividades intelectuais, mantém-se activo em termos políticos, integrando os protestos promovidos pelos «Budas» e participando em reuniões e manifestações públicas.
Durante o longo período de exílio não desistiu de lutar pelo restabelecimento da democracia em Portugal e produziu uma grandiosa obra histórica, da qual constam: «Os factores democráticos na formação de Portugal», que serviu de intróito à História do Regime Republicano em Portugal; estudos sobre a História dos Descobrimentos, incluídos na História de Portugal dirigida por Damião Peres e na Historia de America y de los Pueblos Americanos, volumes III e XVII e n’ Os Descobrimentos Portugueses; A Carta de Pêro Vaz de Caminha e Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid.
No Brasil, além de dar continuidade aos trabalhos históricos, colaborou em periódicos e proferiu conferências.
Entre 2 de Agosto e 5 de Setembro de 1942, publica uma série de artigos no jornal A Manhã, do Rio de Janeiro, sobre Alexandre de Gusmão. Também o faz em outros periódicos, como no Diário de Notícias e O Jornal, ambos do Rio de Janeiro. A partir de Setembro de 1946, inicia uma coluna regular neste mesmo jornal, que perdurará até Agosto de 1949, atingindo um total de cerca de 120 artigos, todos eles sobre história e historiografia. Alguns dos artigos são publicados também no periódico «O Estado de São Paulo», onde continuará a publicar de forma esporádica até 1955. Em 1954 organiza a Exposição Histórica da cidade de São Paulo, em homenagem aos 400 anos da sua fundação. Nessa ocasião, viaja para Portugal, em representação do Brasil e é homenageado pela Oposição anti-salazarista.
Volta para Portugal em 1957, fixando-se aqui definitivamente.
Em 1958 foi eleito presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores e, tendo sido proposto pelo Directório Democrático como candidato à Presidência da República, não aceita. Nestas eleições participa na campanha do candidato da oposição Humberto Delgado, o que o leva à prisão durante 4 dias (com 74 anos de idade), em Novembro do mesmo ano, juntamente com António Sérgio, Vieira de Almeida e Azevedo Gomes. Protestos de intelectuais de todo o mundo contribuem para que seja solto. Debilitado e doente vem a falecer em 14 de Agosto de 1960.
A 30 de Junho de 1980 foi feito grande-oficial da Ordem da Liberdade e a 3 de Julho de 1987 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, ambas a título póstumo.
Nota: Grupo dos «Budas» é a designação pela qual ficou conhecido um grupo de opositores ao regime ditatorial português saído do Golpe de 28 de Maio de 1926 que se refugiou em Madrid. Neste sector da oposição exilada no Brasil, nomeadamente, estavam Jaime de Morais, Jaime Cortesão e Alberto Moura Pinto, que comungava do ideal republicano, possuindo pontos de contacto com o socialismo. Porém, muitos deles possuíam uma formação política diferenciada, como era o caso de Câmara Pires, com o seu vínculo ao anarquismo. A trajectória deste grupo de exilados é marcada pela busca de apoios de outros sectores da oposição, ultrapassando as divergências políticas em prol de um objectivo comum: o combate ao salazarismo. Para tal, procuravam captar outros apoiantes, tanto na sociedade brasileira, como em outros grupos de exilados.