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Joaquim Mendes Correia

Joaquim Mendes Correia
Djoca
Data aproximada da primeira prisão
Agosto 1970

Nasceu a 31 de Março de 1945, em S. Miguel, na ilha de Santiago, Cabo Verde. Foi um dos participantes na tentativa de desvio do “Pérola do Oceano”:
“Em 1970 eu estava a preparar-me para emigrar, só que a emigração era difícil porque tinha de ter um contrato de trabalho no estrangeiro. (…) Eu estava à procura de um contrato para a França. (…) Nos contactos, encontrei um dia um amigo, o António Pedro da Rosa, que me disse: "Olha, que tal, em vez de ires para França, nos metermos num grupo do PAIGC?" Eu respondi-lhe: "Isso não é possível neste momento.” Eu já tinha uma ideia de que a luta estava a desenvolver-se em Conakry, inclusive, nas frentes de trabalho em que estávamos, as pessoas, às vezes, falavam do assunto. (…) A guerra já tinha começado em Angola, Moçambique, Guiné também. (…) Por causa disso, aqui, todo mundo falava em Amílcar Cabral, Conakry... Uns diziam que ele é que nos viria libertar... Havia aqui uma crise muito aguda, o ano agrícola já estava abortado, em Agosto não tinha havido chuva, o ano anterior já tinha sido de muita dificuldade. Nisso todas as antenas estavam ligadas, ouvia-se de tudo...
Quando o António Pedro falou comigo, eu respondi-lhe: "Ninguém consegue sair facilmente daqui", no que ele me contou: "Eu tenho um primo que está aqui e que é um enviado especial do PAIGC, que veio recrutar pessoas de boa vontade para lutar pela independência de Cabo Verde". Eu disse-lhe: "OK, eu alinho, desde que tudo seja bem tratado". (…) E assim nós marcámos o dia que eu poderia ir a casa do António para me encontrar com o primo dele. Três dias depois eu fui a Achada Falcão, pusemo-nos a conversar e fechámos acordo.(…) Depois de várias reuniões comunicaram-nos que teríamos de fugir. Eu ainda disse: "Muito bem, mas primeiro discutimos como é que a coisa terá de ser feita". Ele disse-nos: "Não há problema". Inclusive alguns de nós tinham proposto que deveríamos embarcar no "Fátima", que era um navio que na altura viajava para Dakar. O "Fátima" sairia daqui normalmente para Dakar, chegando lá não deveria haver muitos problemas em seguir para Conakry, embora nenhum de nós tivesse experiência de como poderia ser. E só depois que tudo aconteceu é que viemos a saber que esse indivíduo, afinal, era um enviado da PIDE, que veio para sondar como estavam as coisas aqui em Cabo Verde.
Diante da proposta de irmos no 'Fátima- ele disse: "Não, não, nós não vamos no 'Fátima', porque provavelmente não nos vão deixar embarcar, somos muitos, nós temos de ir é num outro navio qualquer". E ele ainda disse: "Vocês não precisam preocupar-se com isso porque eu me encarrego de tudo".
E foi assim que acabou por surgir a ideia de entrar no Pérola do Oceano, um navio que ia para o Fogo. Ele mais uma vez: "Não há problemas, entrámos no barco e quando estivermos perto do Fogo o capitão vira e vamos para Dakar. O navio sai à noite e ao amanhecer, quando se derem conta, já estaremos a caminho de Dakar". Ninguém tinha experiência naquilo, mas como a vontade era grande, embarcámos nisso.
Conforme o combinado, o navio largou. Às tantas, a luz do farol da ilha do Maio já tinha desaparecido da nossa vista, ele mesmo disse: "Temos de regressar porque o combustível não chega". Começámos a reunir: "Isto não me está a cheirar bem", eu disse.
O capitão retornou com o navio e foi ancorá-lo em Rincão para esse indivíduo ir buscar dois bidões de gasóleo na Assomada. "Como, 2 horas da madrugada, como vais encontrar gasóleo na Assomada?!" dissemos.
Mal ele desembarcou, a maior parte do nosso grupo também deixou o navio. Porque chegámos à conclusão de que tínhamos sido traídos. Eramos uns seis ou sete (eu, Sérgio, Ntoni, Fefa, Goti...) que decidimos desembarcar e nos entregámos três dias depois. Porque, quando amanheceu e o navio não chegou ao Fogo, e como tudo estava combinado, o pessoal da PIDE foi ao Rincão buscar o pessoal. Fomos presos e passámos seis meses na Cadeia Civil e a partir disso fomos mandados para o Tarrafal e lá ficámos quatro anos e tal.”
Ao longo desses anos, para lá do dia da chegada e do da libertação, houve outro que não esquece:
“O nosso maior desespero foi no dia do assassinato de [Amílcar] Cabral. Ao amanhecer, quando já tínhamos saído para o intervalo, (…) Pedro (Martins), que tinha demorado a sair (…) foi-se aproximando e quando chegou perto de mim disse: "Djoca, o melhor filho de Africa já morreu". E eu disse-lhe: "Quem?!" Ele me respondeu: "Amílcar Cabral". Eu disse-lhe: "Não, Pedro, deixa de brincadeira! Isso não é coisa de se dizer". Ele disse, "é verdade".Naquele dia todos nos desanimámos, nos recolhemos e ficámos a meditar. "Como!?" perguntei ao Pedro. "O Luís Fonseca disse que assassinaram Cabral". E diante disso nós só perguntávamos: "Mas quem, como?!..." As coisas foram andando, três dias depois a própria Rádio Libertação começou a dar notícias. A malta começou a dizer: "Agora é que a guerrilha vai se generalizar, agora ninguém nos trava. Se eles pensaram que mataram o pintão no ovo, o tiro vai sair-lhes pela culatra".
No dia 1 de Maio de 1974, deu-se a libertação:
“Já na véspera, fomos avisados que estavam pessoas que nos iriam buscar. Por volta das cinco horas da manhã, ouvimos o rebuliço que vinha da rua, gritos, motores de carros, buzinas, só que dentro do Campo não víamos ninguém. Por volta das 10/11 horas abriram-nos os portões e quando saímos era um mar de gente. Fomos carregados até chegar ao carro. Houve pessoas que nos foram apanhar dentro da cela. Boa parte dessa gente eu não conhecia.”
Em Junho de 74 Mendes Correia foi enviado pelo PAIGC para fazer trabalho político no Tarrafal, na secção de S. Miguel. Fez a sua vida na Calheta, depois na Boa Vista, como primeiro-secretário do partido, Pedra Badejo, de novo como primeiro-secretário. Colocado depois na Praia, prosseguiu estudos e trabalhou no Secretariado do Conselho Nacional até 1988, sendo depois requisitado para uma missão de serviço como presidente da Comissão da Reforma Agrária da Praia, que veio a integrar como quadro definitivo. Com a extinção da Comissão da Reforma Agrária, foi colocado em Santa Catarina, passando à reforma antecipada em 1996.
Para Joaquim Correia, a memória do Tarrafal devia ser preservada:
“O Tarrafal devia ser um museu como aconteceu na Alemanha e na Polónia com os campos de concentração que existem lá. Um lugar onde as pessoas poderiam visitar e ver o que é que o passado nos proporcionou. Inclusive, já se passou muito tempo em que o Campo está praticamente deixado à sua sorte. Muito já devia estar feito com ele. Para mim, à semelhança do que se está a fazer agora, incluir Cidade Velha na lista do Património Mundial, Tarrafal devia ser também declarado património mundial, inclusive, primeiro que a Cidade Velha. (…) Ela é, sim, senhor, o berço deste país, lá é que começou tudo, mas enquanto órgão de repressão, um bastião do colonialismo, é o Tarrafal. Tanto mais que não foi só para presos de Cabo Verde, mas também de Portugal, houve vários portugueses que morreram no Tarrafal. Sobretudo agora que se fala em direitos humanos seria bom recuperar o espaço como ele era. Uma coisa é ser berço da sociedade, outra coisa é a força que se exerceu para abafar essa sociedade. Por isso defendo que Tarrafal devia estar ao lado da Cidade Velha, se não estiver acima. O Tarrafal precisa, acima de tudo, ter o lugar que lhe pertence. Noutros países, lugares como Campo de Concentração do Tarrafal são relíquias.”
 

Texto e fotografia a partir de "Tarrafal-Chão Bom, Memórias e verdades", de José Vicente Lopes, a quem agradecemos.