banner

 

Da criação da PVDE à Circular n.º 14

Data

O Decreto-Lei n.º 22 992, de 29 de agosto de 1933, que criou a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), instituiu duas secções:
1.ª A defesa política e social - visando "especialmente a prevenção e repressão contra os crimes de natureza política e social";
2.ª A internacional - visando o controlo das fronteiras terrestre e marítima, exercer a ação policial sobre os estrangeiros com residência permanente ou eventual no país, combater a ação dos indivíduos que exerçam espionagem, "exercer a repressão do comunismo, designadamente no que toca às ligações entre elementos portugueses e agitadores estrangeiros" e colaborar com os organismos policiais internacionais relativamente à repressão de falsificação de moedas, cheques, publicações ofensivas dos bons costumes, comércio ilícito de estupefacientes e "outros assuntos que venham a ser objeto de entendimentos internacionais".

A amplitude da competência atribuída à PVDE, consagrando a progressiva unificação do aparelho repressivo político e internacional, foi ainda reforçada por três diplomas legais:

Decreto-Lei n.º 23 995, de 12 de junho de 1934

Determina que à secção internacional da polícia de vigilância e defesa do Estado seja cometida também a repressão da emigração clandestina, a luta contra os engajadores e o licenciamento e fiscalização das agências de passagens e passaportes;

Decreto-Lei n.º 24 112, de 29 de junho de 1934

Cria uma secção na polícia de vigilância e defesa do Estado, à qual competirá prover ao sustento, manutenção, guarda e transporte dos presos por delitos políticos ou sociais, quer se encontrem em prisão preventiva, quer tenham sido condenados;

Decreto-Lei n.º 25 338, de 16 de maio de 1935

Extingue, designadamente, a Inspeção Geral dos Serviços de Emigração passando as suas atribuições para a Secção Internacional da PVDE e cometendo ao diretor desta julgar os delitos de aliciamento e de auxílio à emigração clandestina.

É neste contexto que a ação repressiva da polícia política cresce exponencialmente, como se pode observar no cômputo das prisões inscritas no seu “Registo Geral de Presos”: em 1934, a PVDE regista 328 presos, número que, aliás, dificilmente se conjuga com a violenta repressão que se abateu nesse ano sobre o movimento operário, designadamente na sequência do 18 de janeiro; em 1935, o número de registos ascende a 1131 presos; no ano de 1936, com o início da Guerra Civil de Espanha, a PVDE regista 3137 presos, aí incluidos, aliás, "grande número de indesejáveis que procuravam refúgio no nosso País", como referia o diretor da polícia política; no ano seguinte, o Registo Geral de Presos assinala novo crescimento, com 3481 presos
Algumas notas:
1.    Apesar da sua crescente consolidação totalitária, a polícia política não referencia muitas capturas, designadamente executadas pela PSP ou pela GNR ou no âmbito da eclosão de movimentos revolucionários e sociais e da sua repressão, em especial de presos remetidos para a deportação ou com residência fixada algures;
2.    As capturas registadas inscrevem-se, como é evidente, nas diferentes atribuições da polícia política, exprimindo o crescente controlo policial sobre o Estado e a sociedade – o que faz disparar o número de presos às ordens da polícia e justifica a aprovação do referido Decreto-Lei n.º 24 112, criando na PVDE uma secção destinada a “prover ao sustento, manutenção, guarda e transporte dos presos por delitos políticos ou sociais”.
3.    Registe-se que a Guerra Civil de Espanha teve início, precisamente, em julho de 1936 e, como escreveu, três anos depois, o diretor da PVDE, capitão Agostinho Lourenço, "inutilizaram-se várias tentativas de alteração de ordem pública e conseguiu-se evitar a infiltração de um grande número de indesejáveis que procuravam refúgio no nosso País, quando as forças nacionalistas já estendiam a sua ocupação até à fronteira" (Relatório da PVDE 1932 a 1938);
4.    Nestes 4 anos, a polícia política procedeu à captura, sob diferentes acusações, de um total de 8 077 pessoas, ou seja, alcançando uma média diária de 5,5 presos - daí, a expansão crescente das instalações afetas/utilizadas pela polícia política: além dos cárceres inscritos nas suas próprias instalações e das Esquadras da PSP e Postos da GNR, a PVDE recorre à Cadeia do Aljube, Forte de Peniche, Fortaleza de S.João Batista em Angra do Heroísmo, nos Açores, e aos campos de concentração em Cabo Verde - criando, progressivamente, distinções entre presos em prisão preventiva e presos que já tenham sido condenados, quer administrativamente (pelo Governo ou pelo próprio Diretor da PVDE), quer pelos Tribunais Militares Especiais.

Importa aqui registar ainda a crescente intervenção da polícia política nas mais vastas áreas de exercício do poder, como foi o caso da "Circular n.º 14" do Ministério dos Negócios Estrangeiros (ver anexo), datada de 11 de novembro de 1939, dirigida aos representantes de Portugal no estrangeiro e subscrita, em nome do Ministro (António Oliveira Salazar), pelo então secretário-geral do ministério, Luís Teixeira de Sampayo, estabelecendo regras restritivas de concessão de vistos e de passaportes, com a seguinte justificação: «Torna-se necessário nas actuais circunstâncias anormais adoptar certas providências e definir algumas normas, embora a título provisório, que previnam quanto possível, em matéria de concessão de passaportes consulares portugueses e de vistos consulares, abuso e práticas de facilidades que a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado entende inconvenientes ou perigosas, sem ao mesmo tempo dificultar excessivamente o expediente de tais assuntos, alguns dos quais, como o dos estrangeiros em trânsito por Lisboa para embarque com destino a América, temos todo o interesse em não embaraçar.» - desta feita, os "inimigos" já não são apenas os republicanos, libertários ou comunistas, sendo o alcance alargado a uma vasta lista de "indesejáveis", condicionando ou proibindo a passagem de autorização aos "judeus expulsos dos países da sua nacionalidade ou de aqueles de onde provêm", aos apátridas, aos russos e aos "emigrados políticos portugueses".

Agora que, muito justamente, se fala de Aristides de Sousa Mendes, convirá recordar que foi, precisamente, a violação da Circular n.º 14 uma das principais acusações que o governo de Salazar lhe fez, levando ao seu afastamento compulsivo da carreira diplomática.