Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta
Um filme de Diana Andringa
Chamavam-lhe “o Campo da Morte Lenta”. Os críticos, naturalmente. Que as autoridades, essas, chamaram-lhe primeiro, entre 1936 e 1954, quando os presos eram portugueses, “Colónia Penal de Cabo Verde” e, depois, quando reabriu em 1961 para nele serem internados os militantes anticolonialistas de Angola, Cabo Verde e Guiné, “Campo de Trabalho de Chão Bom”.
Trinta e dois portugueses, dois angolanos, dois guineenses perderam ali a vida. Outros morreram já depois de libertados, mas ainda em consequência do que ali tinham passado. Famílias houve que, sem nada saberem o destino dos presos, os deram como mortos e chegaram a celebrar cerimónias funebres.
Ali é só deixar de pensar. Porque, se não, morre aqui de pensamentos. É só deixar, pronto. Os que têm vida ficam com vida. Nós aqui estamos já quase mortos. A frase é do angolano Joel Pessoa, preso em 1969 e libertado, com todos os outros presos do campo, em 1 de Maio de 1974.
No 35º aniversário desse dia, a convite do presidente da República de Cabo Verde, Pedro Verona Pires, os sobreviventes reencontraram-se para um Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal.
Tarrafal: memórias do Campo da Morte Lenta resultou desse reencontro. Durante os dias em que os antigos presos voltaram ao Tarrafal, gravámos entrevista após entrevista, registando as suas recordações.
Ouvimo-los sentados, quase todos, ao lado da “holandinha” – uma cela de castigo, pouco mais alta que um homem em pé, pouco mais comprida que um homem deitado, pouco mais larga que um homem sentado, com uma pequena janela gradeada.
Trinta e dois presos, desde o português Edmundo Pedro, um dos que o estreou, em 1936, aos angolanos e caboverdianos que foram os últimos a deixá-lo, no 1º de Maio de 1974, passando pelos guineenses que, ali chegados em Setembro de 1962, saíram em 1964 uns, em 1969 os restantes. Um guarda, Joaquim Lopes, caboverdiano e convertido ao PAIGC. Uma das raras pessoas que testemunhou a vida no Tarrafal desde a sua abertura ao seu encerramento, Eulália Fernandes de Andrade, mais conhecida por D. Beba.
O documentário fez-se das memórias dos antigos presos, filmados nesse espaço confinado em que viveram durante anos, “fechados como se fôssemos cabras, com um fosso à volta, arame farpado e um muro, com os nosso irmãos, armados, a guardar-nos".
Ali nos falaram das torturas quando da prisão, das ameaças de morte, dos que não resistiram às condições do campo. Próxima, atenta, solidária, a objectiva de João Ribeiro dá-nos toda a força destes testemunhos, as caras expressivas contra fundo de cela, as mãos e o corpo que mimam uma cena de tortura, as calças rasgadas pelo chicote e puídas pelo chão prisional, a bengala que resulta de um longo período pendurado por uma corda atando os pulsos elevados acima da cabeça, a planta do campo desenhada num osso de vaca cuidadosamente preservado. A emoção com que homenagearam, no cemitério, os companheiros que ali ficaram. A alegria de se verem lembrados em duas exposições nas celas que tinham ocupado.
A alegria: palavra estranha num filme sobre o Tarrafal. Mas essa é a grande lição destes homens: porque, como diz um deles, o caboverdiano Jaime Scofield, o mais importante não é que eles nos tenham querido matar lentamente. O mais importante é que nós resistimos.
Esta é a história de homens a quem quiseram destruir toda a esperança e que souberam resistir até à vitória: Porque no Tarrafal nós inventámos a vida, sempre!
Testemunhos
por ordem de entrada no filme:
- Edmundo Pedro (Portugal)
- Eulália de Andrade, D. Beba (Cabo Verde)
- Joaquim Lopes, guarda (Cabo Verde)
- Cândido Joaquim da Costa (Guiné)
- Caramó Sanhá (Guiné)
- Francisco Mendes Vieira (Guiné)
- Manuel Neves Trindade (Guiné)
- Carlos Sambu (Guiné)
- Augusto Pereira da Graça (Guiné)
- Macário Freire Monteiro (Guiné)
- Nobre Pereira Dias (Angola)
- Amadeu Amorim (Angola)
- Fernando Correia (Guiné)
- Mário Soares (Guiné)
- Jorge da Silva (Guiné)
- Agnelo Lourenço Fernandes (Guiné)
- Lote Sachicuenda (Angola)
- Augusto Kiala Bengue (Angola)
- Evaristo “Miúdo” (Angola)
- Silva e Sousa (Angola)
- Joel Pessoa (Angola)
- Lote Soares Sanguia (Angola)
- Jaime Cohen (Angola)
- Alberto Correia Neto (Angola)
- Vicente Pinto de Andrade (Angola)
- Justino Pinto de Andrade (Angola)
- Carlos Tavares (Cabo Verde)
- Luis Fonseca (Cabo Verde)
- Jaime Scofield (Cabo Verde)
- Luís Mendonça (Cabo Verde)
- Arlindo Borges (Cabo Verde)
- António Pedro Rosa (Cabo Verde)
- Pedro Martins (Cabo Verde)
Ficha técnica
Imagem
João Ribeiro
Som
Armanda Carvalho
Montagem
Cláudia Silvestre
Música
“Abandono” (“Fado Peniche”)
Poema: David Mourão-Ferreira
Música: Alain Oulman
Voz: Amália Rodrigues
Assobio: Bruno Morgado
Voz off
Jorge Sequerra
Misturas
João Ganho
Produção e Realização
Diana Andringa
Tempo: 1H 30’
Uma breve resenha de algumas das histórias narradas neste filme: