Opositor ao regime fascista, esteve preso em 1933, 1935, 1948 e 1958 e exilado entre 1926 e 1933. Figura ímpar de filósofo e ensaísta, professor, crítico literário e historiador, marcou a História do Portugal contemporâneo e deixou seguidores entre os socialistas portugueses.
Após o 28 de Maio, António Sérgio colocou-se na Oposição, tendo por isso de sofrer exílios – por vezes longos, cárceres, apreensões de livros, receios de publicar outros, ataques, calúnias, vexames. Promotor do cooperativismo de associação, ajudou a fundar várias unidades desse tipo. Consciente da necessidade e da missão de «reformador da mentalidade portuguesa», interveio na vida pública, durante a ditadura do Estado Novo, muito especialmente nos momentos de «eleições». Lançou em Portugal a ideia do Cooperativismo, que se viria a revelar a sua obra mais duradoura, nomeadamente ao nível das cooperativas de habitação. Fundou a Junta Propulsora dos Estudos; difundiu o método Montessori; criou o ensino para deficientes e o cinema educativo, e ainda ajudou a fundar o Instituto Português do Cancro.
A partir de 1959, abandonou a intervenção cívica activa e a pena de escritor, vindo a falecer em Lisboa, em 1969.
Homem coerente, morreu pobre como pobre tinha nascido e vivido. Viveu em diversos lugares (Lisboa, Rio de Janeiro, Londres, Genebra, Paris, Santiago de Compostela, Madrid), o que favoreceu a sua visão cosmopolita.
Queria um socialismo associativista, libertador (ou mesmo libertário), a criar de dentro para fora, pacificamente, pela extensão gradual mas ilimitada do princípio cooperativo. Agnóstico mas tolerante com as religiões, homem cultíssimo e de grande curiosidade mental, leitor permanente e crítico, conhecia bem as obras de Marx mas nunca foi marxista. Nos últimos anos de vida, recolhido em casa, reconhecia que o seu combate pelo Cooperativismo teria sido a única coisa que legaria ao seu país, acreditando que, no resto, a sua obra resultara estéril. E, no entanto, a essa obra e a ele se referem alguns contemporâneos seus como sendo «sem par entre nós, de filósofo, ensaísta, doutrinador político, agitador social fecundo, fomentador de novas ideias, professor vocacionado, crítico literário arguto e inconformista, historiador original sempre com os olhos postos no futuro, prosador admirável e dúctil, poeta talentoso, dramaturgo interessante, jornalista que aliava a acessibilidade do texto à elevação dos conceitos».
O essencial da actividade política de Sérgio enquadra-se na ligação à Democracia e à Liberdade, como via para a Educação e Cultura. Entendia o Ensino como factor de ressurgimento nacional e criador de uma elite humanista, e a Cultura como produto da Democracia por oposição ao autoritarismo.
No plano político, António Sérgio considerou prioritária a constituição de uma opinião pública e de uma elite recrutada numa base social mais ampla, que fiscalizaria os representantes eleitos. A luta política de Sérgio contra o regime nunca parou e só esmorecia quando as circunstâncias eram por de mais impeditivas da expressão do pensamento. Acabando por se convencer, após o seu regresso ao país em 1933 e até ao insucesso da candidatura Norton de Matos, de que o sistema nunca se liberalizaria a ponto de procurar quem o continuasse ou lhe sucedesse recorrendo a eleições honestas, o filósofo voltou a ser conspirador activo e passou de novo a privilegiar uma solução militar para o derrube do regime.
Foi, aliás, Sérgio quem, após se ter relacionado com Humberto Delgado com finalidades conspiratórias, lançou o nome do General (recém mas veementemente convertido à Democracia), para candidato oposicionista às eleições presidenciais de 1958. Combativo, iria ser um dos que mais intensamente se empenharam na luta pela aceitação desta candidatura por todas as forças oposicionistas, como veio a acontecer com a desistência de Arlindo Vicente, e um dos que mais se envolveram na extraordinária campanha que o «general sem medo» conduziu. Esteve intensamente envolvido na preparação e na execução dessa candidatura, mas já então mais convencido de que esta poderia resultar num golpe militar em vez de numas tranquilas eleições democráticas.
António Sérgio nasceu em Damão (Índia), em 3 de Setembro de 1883 e faleceu em Lisboa a 12 de Fevereiro de 1969. Viveu parte da infância em África e, já em Lisboa, estudou no Colégio Militar e depois na Escola Politécnica e na Escola Naval. Cedo sentiu grande interesse pela poesia e pela filosofia, devendo-se o seu precoce pendor racionalista à leitura da Ética de Espinosa, ao estudo da geometria analítica e ao interesse pela obra de Antero de Quental. Iniciou uma carreira de oficial da Marinha, fez várias viagens mas abandonou a Marinha com a implantação da República em 1910, por ter jurado fidelidade ao rei deposto.
Após estudos de pós-graduação no Instituto Jean-Jacques Rousseau (1914-16), grande centro mundial do movimento da Escola Nova, onde estudou com a sua mulher, e onde privou com Édouard Claparède e com Adolphe Ferrière, participou no mais consequente projecto de reforma do Ensino Português elaborado durante a Primeira República (Projecto Camoesas).
Nos anos de 1920 António Sérgio pertenceu à direcção da Seara Nova (com Raul Proença e Jaime Cortesão) e é nesse quadro que vem a integrar o governo de Álvaro de Castro (1923), assumindo a pasta da Educação, com o principal propósito de criar uma Junta de Ampliação de Estudos, organismo autónomo que enviaria sistematicamente bolseiros ao estrangeiro para estudar, e que financiaria institutos de investigação e escolas modernas.
Com o fim da Primeira República, vê-se obrigado ao exílio, residindo em Paris de 1926 até 1933. No regresso, tornou-se um dos principais nomes do movimento cooperativista e do socialismo democrático. Entre os seus companheiros de luta contaram-se Alves Correia, Mário Azevedo Gomes, José Régio, Bento de Jesus Caraça com quem, por 1945, travou uma polémica onde a tensão entre marxismo e proudhonismo e idealismo racionalista está implícita, e com muitos outros vultos da cultura portuguesa.
O seu pensamento inscreve-se numa constelação de pensadores seus contemporâneos, defensores da democracia e de ideais socialistas. A sua acção e pensamento, inicialmente inspirados por figuras como Alexandre Herculano, Oliveira Martins e Antero de Quental, foi marcadamente voltada para a reforma das mentalidades, para a compreensão histórico-sociológica de Portugal e para a problemática da educação.
Defendeu o modelo da escola-município, baseado no ideal de self-government e de educação cívica. Durante a década de 1910, a sua intervenção tinha sido enquadrada pelo movimento cultural da Renascença Portuguesa (onde pontificavam Teixeira de Pascoaes e Jaime Cortesão). Durante a residência em Paris de 1926 até 1933, tornou-se amigo de Paul Langevin, frequentando os cenáculos racionalistas e continuou entretanto a publicar os seus Ensaios, onde os temas literários, históricos e filosóficos eram dominantes, sempre apresentados numa perspectiva pedagógica e crítica (que se manteve fiel às intuições maiores dos seus anos de formação) e a lutar pelo retorno de Portugal à democracia.
Foi professor, nomeadamente da Universidade de Santiago de Compostela (em 1933), tendo influenciado personagens como o seu amigo Barahona Fernandes – um dos mais distintos psiquiatras portugueses -, o arquitecto Raul Lino, o pedagogo Rui Grácio ou Mário Soares. Pode-se considerá-lo como um «Educador de Gerações».
Nos anos de 1950 rodeou-se de um grupo de jovens estudantes de ciências. Para os seus detractores (bergsonistas, nacionalistas de feição romântica ou integralista e marxistas-leninistas), o seu pensamento foi essencialmente polémico e datado. Não obstante, o seu pensamento continuou a despertar a atenção em gente das ciências sociais e exactas, que não se reclamando seus discípulos sentem ser decisiva a sua inspiração. «O desenvolvimento do capitalismo português, na sua unidade fundamental e na diversidade das suas orientações, não determinou entre nós um alto desenvolvimento das forças produtivas. O sistema escolar português não ultrapassou, por isso mesmo, os limites dos estreitos interesses económicos e culturais da burguesia. Nunca se alcançou a democratização real da Educação e da Instrução».
É importante uma referência ao seu conceito de cultura: «Homem culto (...) significará um indivíduo de juízo crítico, afinado, objectivo, universalista, liberto das limitações de nacionalidade e de classe».
Por ocasião do cinquentenário da sua morte, tiveram lugar alguns tributos a António Sérgio, nomeadamente na SPA (Sociedade Portuguesa de Autores), na Assembleia da República e na Academia de Ciências. Em Coimbra, por iniciativa da FEUC, realizou-se o Colóquio «Revisitar António Sérgio Cinquenta Anos Depois» (na Casa da Escrita), uma jornada dedicada a temas de Economia e Sociedade relacionados com a sua obra. O programa articulou-se com outros colóquios, sobre temas diversos, em diversas cidades do país ao longo do ano de 2019, assinalando o cinquentenário da sua morte.