Belmira da Conceição Gonçalves, mais conhecida por Sãozinha, foi uma jovem que se tornou conhecida por participar na Revolta das Águas de 1962. Nasceu na Lombada da Ponta do Sol, na ilha da Madeira, a 18 de abril de 1945, numa família muito numerosa, tendo 16 irmãos. Era filha de Manuel Gonçalves Júnior e de Ana Conceição Silva Relva. Frequentava o Liceu Jaime Moniz, no Funchal, à data da sua morte.
No Verão de 1962, Sãozinha juntou-se várias vezes aos populares da Lombada e do Lugar de Baixo na luta pela defesa dos direitos das águas de rega da Levada do Moinho.
E o Povo reunido
Lá vai em longa distância,
Onde ficam noite e dia
Para melhor segurança.
Na madrugada do dia 21 de Agosto, muitas dezenas de polícias - mais de duas centenas, segundo testemunhas - cercam, espancam e abrem fogo sobre os moradores, que ali pernoitavam visando impedir qua a água da Levada do Moinho fosse desviada para a Levada Nova, tocando búzios como sinal de alerta contra a invasão policial.
Os habitantes agruparam-se nas pedras da ribeira, junto à muralha (mulheres e crianças à frente e os homens atrás). Ouviram da voz do Comandante da PSP, capitão de artilharia Luís da Costa Eduardo Rombert, com um altifalante: “Atenção, têm cinco minutos para se retirarem”.
«Parecia o fim do Mundo, pensávamos que iam morrer todos, foi um grande massacre. Eram gritos por todos os lados, as pessoas tentavam fugir, mas a polícia dava pancadaria, pontapés, com a coronha da arma a torto e a direito...não escolhiam, tanto davam em crianças como nas mulheres e nos homens. Muitos homens foram feridos nas pernas com balas» (testemunho de Lurdes Teixeira).
Nesse dia, prenderam 29 pessoas. Também os feridos encaminhados para o hospital, depois de terem alta hospitalar, foram levados para a cadeia. Estiveram presos mais de três meses.
Belmira Gonçalves "foi das últimas pessoas que conseguiu entrar e chegar ao Cabo da Levada. Pelo caminho perdeu um sapato e, ao sentar-se na pedra junto de outras pessoas, disse: «Perdi um sapato mas, graças a Deus sempre cheguei!» De repente caiu no colo da Cecília Canha e da Paizinha. Estava morta, tinha sido atingida por uma bala" - ver versão oficial em anexo.
Oh! Sãozinha que morreste
Foi da tua infeliz sorte
O tirano que te matou
Nunca mais há de ter sorte.
O sangue que derramaste
Nas águas livres correu.
Oh! Sãozinha, tu tombaste,
Mas o teu Povo venceu.
Após 25 de abril de 1974, foi alcançado um acordo em que "é reconhecido que os legítimos proprietários das águas são os heréus, com competências de administrarem as suas águas seguindo os usos e costumes" - hoje as águas são administradas pela Associação de Regantes da Levada do Moinho da Lombada e Lugar de Baixo.
(*) Texto a partir da revista "Mundo Rural", propriedade do movimento da Acção Católica Rural (ACR),
(https://mundo-rural.webnode.pt). Incluem-se, da mesma origem, excertos de quadras populares dedicadas à Sãozinha. A referência a heréus entende-se como aos co-proprietários de canal para conduzir água.