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Maria da Conceição Vassalo e Silva da Cunha Lamas

022817
19565
Data da primeira prisão

Nasceu a 6 de Outubro de 1893 em Torres Novas, distrito de Santarém, filha de Maria da Encarnação Vassalo e Silva e de Manuel Caetano da Silva, ambos oriundos de famílias burguesas, católicos e devotos do lado materno, e republicanos e maçónicos do lado paterno. Foi irmã mais velha de Manuel António Vassalo e Silva, que viria a ser o último Governador da Índia Portuguesa, e prima das escritoras Maria Lúcia Vassalo Namorado e Alice Vieira.

Frequentou a escola primária do Conde Ferreira e completou os seus estudos no Colégio das Teresianas de Jesus Maria José, em Torres Novas, a pedido de sua mãe, e em regime de internato. Poucos anos depois, em Março de 1911, ainda com 17 anos, celebrou o primeiro casamento civil na localidade, ao casar-se com Teófilo José Pignolet Ribeiro da Fonseca, um republicano e oficial da Escola Prática de Cavalaria de Torres Novas. Nesse mesmo ano, já grávida, não hesitou em acompanhar o marido, que havia sido enviado em missão para trabalhar num presídio militar, em Capelango, Angola. Alguns meses depois, nascia a sua primeira filha, de nome Maria Emília.

Essa relação rapidamente se tornou bastante atribulada e, em 1913, abandona o marido e regressa a Portugal, novamente grávida mas disposta a pedir o divórcio e a lutar pela tutela da sua filha Maria Emília, e de Maria Manuela que nasceria ainda nesse mesmo ano. Com o avançar da Primeira Guerra Mundial e a partida do seu marido para a frente de combate em Flandres e depois França, Maria Lamas é obrigada a procurar uma forma de sustento para si e as suas filhas. Começa a trabalhar na Agência Americana de Notícias pela mão da jornalista e amiga Virgínia Quaresma, e a escrever para os jornais Correio da Manhã e A Época. Torna-se assim numa das primeiras mulheres jornalistas profissionais, em Portugal.

Em 1920 é lhe finalmente concedido o divórcio, permitindo-lhe, no ano seguinte, casar em segundas núpcias com o jornalista e apoiante monárquico Alfredo da Cunha Lamas, que havia conhecido ao trabalhar no jornal A Época. Desse casamento, nasce uma filha, Maria Cândida. Devido às diferenças ideológicas e temperamentos incompatíveis do casal, separam-se pouco depois do nascimento da sua filha. Maria Lamas divorcia-se novamente em 1936, embora fique para sempre com o apelido Lamas.

Começou a escrever para os jornais O Século, O Almonda, A Joaninha, A Voz, A Capital e o Diário de Lisboa, assim como publicou poemas («Os Humildes», 1923), crónicas, novelas, folhetins, romances («Caminho Luminoso», 1927; «Para Além do Amor», 1935; «Ilha Verde», 1938), textos para crianças, adolescentes e mulheres, estes últimos com um cariz mais interventivo e político sobre a reivindicação dos direitos das mulheres.

Em 1928 é convidada para dirigir o suplemento Modas & Bordados do jornal O Século, a convite do escritor e redactor José Maria Ferreira de Castro, invertendo o prejuízo da revista em lucro, logo nas suas primeiras edições, através da adopção de um discurso «de mulher para mulher» em que se debatiam temas que questionavam os padrões tradicionais e conservadores das mulheres na sociedade. É também por esta altura, em que começa a falar sobre o direito à felicidade, a luta pela dignificação e a emancipação da mulher, associando-se ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP), presidido pela activista feminista Adelaide Cabete.

Dois anos depois, começa uma relação com o escritor Ferreira de Castro, com o qual trabalhava no periódico O Século. Essa relação ficou fortemente registada em inúmeras cartas, postais e telegramas a dar conta do seu quotidiano, viagens, pensamentos, tristezas, sonhos e elogios sobre os seus trabalhos literários, terminando apenas em 1973, data da última carta a ser registada e recebida por Maria Lamas.

Por sua iniciativa, também em 1930, cria, em coligação com o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas e o jornal O Século, a «Exposição da Obra Feminina, antiga e moderna de carácter literário, artístico e científico», a qual pretendia dar visibilidade ao trabalho das mulheres, de norte a sul do país, «desde o trabalho das artesãs até aos trabalhos das intelectuais, desde um tear de Trás-os-Montes até à mesa de trabalho de Carolina Michaelis de Vasconcelos». Esta iniciativa, que durou dois meses, gerou uma forte afluência e atenção mediática, possibilitando não só o abrir de portas dentro da organização feminista, que a elegeu presidente das secções de Educação, em 1937, e de Literatura, em 1939, como também a colocou sobre o olhar atento da esfera política e social da época, sendo em 7 de Fevereiro de 1934 agraciada com o grau de Oficial da Ordem de Santiago da Espada, pelo seu trabalho em prol das mulheres.

Um ano depois, inscreve-se na Associação Feminina para a Paz, acabada de ser constituída no Porto, e passa a assinar as suas obras como Maria Lamas. Até então, utilizava diversos outros pseudónimos como os de «Serrana d'Ayre», «Rosa Silvestre» e «Armia», este último essencialmente utilizado nos textos na revista Alma Feminina, o meio oficial de comunicação e divulgação da organização CNMP.

Em Julho de 1945, tornou-se presidente da Direcção do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, com a promessa de promover campanhas de alfabetização por todo o país, contudo não teve tempo para executar o seu mandato. Alguns meses após a sua eleição, devido ao difícil clima politico em que o país se encontrava, já dentro do Estado Novo, é forçada por João Pereira da Rosa, director do jornal O Século, a escolher entre continuar na direcção da revista Modas e Bordados ou à frente da organização feminista. Maria Lamas não hesitou e demitiu-se do cargo da revista, dando início a uma das suas mais importantes obras literárias «As Mulheres do Meu País» (1947-1950), a primeira grande reportagem sobre as condições de vida das mulheres portuguesas. Oito dias depois, após a realização, na Sociedade Nacional de Belas Artes, da «Exposição de Livros Escritos por Mulheres», a actividade do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas é proibida pelo governo.

Continuou nos anos seguintes a desenvolver uma intensa actividade propagandista e activista contra o Estado Novo, integrando o Conselho Mundial da Paz e a Oposição Democrática, manifestando o apoio à candidatura de José Norton de Matos e integrando a Comissão Central do Movimento Nacional Democrático. Essas acções, por sua vez, originariam várias perseguições pela PIDE e encarceramentos na prisão de Caxias (1949, 1950-1951, 1953). Participou em congressos, seminários e conferências pelos Direitos das Mulheres e pela Paz, apelando a que os outros países não fechassem os olhos à situação de ditadura que se vivia em Portugal. Anos mais tarde, em 1962, cansada de viver perseguida pela polícia, viaja para Paris e passa aí a residir como exilada política, habitando no Grand Hotel Saint-Michel, na Rua Cujas, nº 19, do Quartier Latin. Aí, conhece a escritora Marguerite Yourcenar e começa a desenvolver uma intensa actividade política de apoio aos portugueses refugiados que se opunham ao regime fascista, apenas regressando a Portugal a 3 de Dezembro de 1969, com a garantia de que não havia nas fronteiras nenhum mandato de captura contra si.

Finalmente, com a chegada da Revolução dos Cravos, a 25 de Abril de 1974, Maria Lamas, com 80 anos de idade, foi agraciada e homenageada diversas vezes: tornou-se dirigente do Comité Português para a Paz e Cooperação; directora honorária da revista Modas e Bordados (1974); presidente de honra do Movimento Democrático das Mulheres (1975); directora da publicação Mulheres (1978); filiou-se oficialmente no Partido Comunista Português; recebeu a Ordem da Liberdade, pelo Presidente Ramalho Eanes (1980); é homenageada pela Assembleia da República (1982); e ainda recebeu a Medalha Eugénie Cotton, da Fédération Démocratique Internacionale dês Femmes (FDIM) (1983).

A 6 de Dezembro de 1983, faleceu com a idade de 90 anos, vítima de paragem cardíaca, em Lisboa, deixando preparada uma nota para a família: «Com o coração cheio de amor eu queria apenas dizer que vos amo muito e agradecer-vos tudo quanto vos devo».