Em 1935, o Diário de Notícias denunciou a utilização pelos pescadores de Peniche de espoletas de dinamite na pesca: “o peixe encontrava-se em demasiada profundidade e o fundo do mar rochoso danificava as redes”, razão porque recorriam, em tempos de crise apertada, à pesca com dinamite, expressamente proibida pela Lei n.º 1572, de 29 de março de 1924 (ver anexo).
Este tipo de pesca, que acontecia em segredo, mas que era do conhecimento generalizado, apresentava elevados riscos para a saúde e para a vida dos marítimos, envolvendo também chorudos negócios para os armadores, que compravam as caixas de espoletas a 25 escudos, que depois eram vendidas a 125 escudos ou mais.
Após vários incidentes com os explosivos, designadamente a morte, a 14 de abril de 1935, de Manuel Maria Francisco, mestre da traineira Graciosa, que incendiou acidentalmente as espoletas que tinha escondidas à cintura durante a pesca – falecendo no transporte (“às escondidas”) para o hospital de São José em Lisboa. O pescador Pedro Engenheiro foi, entretanto, preso quando levava espoletas de dinamite escondidas dentro do farnel. Por outro lado, em junho desse ano, as traineiras Estoril e Alda foram detidas pela Polícia Marítima pelo uso de explosivos durante a pesca, cumprindo os mestres penas de quatro meses e os pescadores de três meses.
A situação em Peniche vai-se degradando. No dia 8 de novembro, o Administrador do Concelho (e também armador) Joaquim Guilherme Faria, dirige um ofício ao Governador Civil de Leiria, exprimindo a sua visão sobre a situação político-social de Peniche, com especial ênfase na “perniciosa influência que os fixados políticos exercem na massa popular desta vila”, propondo, aliás, a saída imediata da vila de todos os “fixados políticos”, o policiamento da vila pela G.N.R. e pela Polícia Cívica e a intervenção0 da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado.
A 11 de Novembro à tarde, uma comissão de patrões dirige-se ao Ministério da Marinha, mas não são recebidos.
A 12 de Novembro, foram condenados na Capitania de Peniche os mestres e os proprietários de diversas embarcações. Aos mestres (cujo número oscila, segundo as fontes oficiais, entre 56 e 59) foi aplicada a pena de quatro meses de prisão, na cadeia das Caldas da Rainha, e aos proprietários uma multa de 3.950 escudos, que deveria ser paga até ao dia 16 de novembro, devendo os mestres apresentar-se no dia seguinte na Capitania para seguirem para as Caldas da Rainha de camioneta. Quanto aos 230 pescadores, condenados com penas de três meses, cerca de 60% seriam oriundos da vila de Peniche.
No dia 13 de novembro de 1935, logo pela manhã, os mestres condenados começaram a chegar junto da capitania de Peniche a fim de seguirem na camioneta para a prisão das Caldas da Rainha. Entretanto, na Ribeira, o povo impede a venda de peixe oriundo de traineiras que tinham furado a greve entretanto decretada. Por outro lado, muitos comerciantes aderem à movimentação popular, fechando as portas dos seus estabelecimentos e colocando bandeiras a meia haste. Os sinos tocam a rebate e o povo ergue uma barricada nos portões de Peniche de Cima, recorrendo a uma traineira e diversas lanchas – barrando assim a saída da vila às camionetas que levariam os presos para as Caldas da Rainha, camionetas que foram assaltadas por populares. São derrubados os postes telefónicos e de telégrafo, isolando a vila do exterior. As fábricas de conservas suspendem a laboração e muitas mulheres juntam-se aos protestos.
A GNR envia, a partir da Fortaleza, diversos guardas e um guarda fios para proteger a saída das camionetas e reparar as ligações telefónicas e telegráficas. Na zona do Juncal, a GNR abre caminho à força das armas, matando o marítimo Francisco de Sousa, natural de Peniche, e ferindo, entre outros, José Mendes, marítimo, natural da Nazaré, além de identificar e prender cerca de 50 manifestantes. A multidão resiste atirando pedras e provocando alguns feridos entre os guardas da GNR.
Chegam reforços de Lisboa e de outros locais, GNR, PSP e PVDE, iniciando-se uma nova fase da repressão – até a Associação Comercial é obrigada a retirar a bandeira que tinha colocado a meia haste na sua sede…
A resistência dos pescadores e do povo de Peniche, aparentemente derrotada naquele dia 13 de novembro, viria a mostrar a sua força: logo no dia 22 de novembro, o governo viu-se obrigado a conceder a amnistia a todos os mestres de traineiras de Peniche condenados pelas infrações cometidas (ver em anexo o Decreto-lei n.º 26084, de 22 de novembro de 1935), visando assegurar a pesca e a produção nas fábricas de conservas.
Cfr. “O motim de 1935”, de Adriano Constantino, Luís Rendeiro, Tiago de Oliveira Alves e Inês Grandela Lourenço, Investigadores do Centro de Estudos e de Defesa do Património da Região de Peniche (in Atas do II Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal 06-07 de abril de 2015, IHC-FCSH-UNL – Org. Cátia Teixeira).
Cfr. avante!, Série II, n.º 14, dezembro de 1935, sob o título "As massas de Peniche lutam e vencem!"