Há 85 anos, no dia 29 de outubro de 1936, o navio "Loanda" aportou à baía do Tarrafal, no extremo norte da ilha de Santiago, no arquipélago de Cabo Verde, então uma colónia portuguesa.
Esse vapor, propriedade da Companhia Colonial de Navegação, armado em transporte de guerra, recebera instruções do Ministéria da Marinha, assinadas por um tal Américo Tomás, para transportar "presos políticos e sociais" com destino à nova "Colónia Penal de Cabo Verde" - na verdade, o campo de concentração do Tarrafal, mandado construir por Salazar por despacho de 8 de outubro de 1935.
Nos "Diários de Salazar", cuja transcrição foi recentemente publicada (DGLAB, Porto Editora), consta a seguinte anotação no dia 8 de outubro de 1935: às 17.30, "M.ºs do Interior, Justiça, Obras Públicas, Cap. Lourenço e Cap. França - colónia penal em Cabo Verde para presos políticos e sociais", seguida de uma reunião, às 19.30, com o ministro das Obras Públicas (para "despachos").
Além de Oliveira Salazar, participam na reunião o ministro do Interior, Henrique Linhares de Lima, o ministro da Justiça, Manuel Rodrigues Júnior, o ministro das Obras Públicas, Duarte Pacheco, o diretor da PVDE, capitão Agostinho Lourenço e o capitão Luís Victória de França e Sousa, autor de um anteprojeto do campo de concentração do Tarrafal, que haveria de ser substituído, vindo a ser executado pelo Ministério das Obras Públicas e Comunicações.
Nessa mesma data de 8-10-1935, Salazar proferiu o despacho que mandou construir a "Colónia Penal de Cabo Verde", no Tarrafal, Ilha de Santiago, Cabo Verde, destinada "a presos políticos e sociais", inscrevendo, "para a construção prevista na 1ª fase das obras", uma verba de 3.500.000$00.
Registe-se ainda que nos mesmos Diários, Salazar havia anotado, às 17 horas do dia 5 de maio de 1934, uma reunião com os ministros da Interior e das Colónias, com o seguinte tema "Colónia Penal em Cabo Verde - e regime dos presos sociais e políticos" - o que mostra bem os desígnios do ditador.
Logo em 7 de agosto desse mesmo ano, o referido capitão de Engenharia, Luiz Victoria de França e Sousa,foi requisitado pelo ministro do Interior, Antonino Gomes Pereira, sob proposta do diretor da PVDE, para proceder ao "reconhecimento da Ilha da Bôa Vista-Arquipélago de Cabo Vêrde- para a construção dum Presídio".
Um ano depois, a 16-09-1935, o ministro do Interior, Linhares de Lima, abandonada a hipótese da Ilha da Boavista, remete a Salazar o ante-projeto de uma Colónia Penal, a instalar no Tarrafal de S.Tiago, Cabo Verde, sublinhando: julgo urgentissimo a resolução deste assunto que se vem retardando desde longa data" - o certo, no entanto, é que não viria a ser seguido o ante-projeto elaborado pelo capitão França e Sousa.
O navio dirigira-se primeiramente à Ilha da Madeira, onde recolheu presos da Revolta do Leite, ocorrida nesse ano de 1936, e seguiu depois para a Ilha Terceira, nos Açores, onde descarregou esses presos e embarcou muitos que ali se encontravam encarcerados na Fortaleza de S. João Batista, em Angra do Heroísmo, levando-os para o Tarrafal, onde chegou onze dias após a sua partida de Lisboa.
151 presos políticos e sociais foram desembarcados na baía do Tarrafal e, a pé, guardados por agentes da PVDE e militares, percorreram o caminho até à localização do campo de concentração, cujas obras ainda nem sequer estavam concluídas.
Quem eram esses presos?
Muitos dos principais dirigentes comunistas e libertários e muitos dos participantes na Greve Geral de 18 de janeiro de 1934 e na Revolta dos Marinheiros de 8 de setembro de 1936, a que se juntarão, em várias levas, muitos outros combatentes pela Liberdade, incluindo estrangeiros que haviam caído nas mãos da polícia política.
Entre 1936 e 1954, data de saída do último preso político desta fase do campo de concentração do Tarrafal, foram ali encarcerados mais de 360 presos - que o governo fascista pretendia isolar da sociedade ou mesmo eliminar fisicamente, através da violência prisional, dos castigos permanentes e dos trabalhos forçados, da falta de assistência médica e medicamentosa e das tentativas de quebrar a dignidade de quantos ali se encontravam.
32 anti-fascistas portugueses ali perderão a vida entre 1937 e 1948.
Como é sabido, o campo de concentração do Tarrafal viria a ser reaberto em 1961, então crismado de "Campo de Trabalho de Chão Bom" pelo então ministro do Ultramar Adriano Moreira, recebendo nacionalistas africanos (da Guiné, de Angola e de Cabo Verde. E novamente aí se verificarão mais 4 mortes, desta feita de 2 angolanos e de 2 guineenses.
Agradecimentos ao João Esteves.