Clandestinidade
O regime de ditadura militar e a sua progressiva afirmação fascista ergueram por todo o país uma apertada e vasta rede de vigilância e repressão.
Gradualmente, impuseram a censura, criaram mil e um mecanismos “legais” de repressão administrativa, domesticaram a magistratura e desenvolveram estruturas “judiciais” (militares e civis) especialmente direcionadas para o exercício da violência política, implantaram uma extensa rede de controlo social e económico dito “corporativo” e, no centro desse edifício, aprofundaram uma polícia política de infinitos poderes e naturalmente impune.
À medida que foram sendo desenvolvidos e centralizados os diferentes tentáculos repressivos, tornou-se extremamente difícil o exercício das mais simples atividades cívicas e políticas. Assim, e em função da violência da repressão dos anos vinte e trinta, apenas restou a quem não apoiava o regime “mergulhar” na clandestinidade. Ou seja, criar vidas e circuitos que, não sendo publicamente revelados, haveriam de permitir, embora com grandes limitações, levar a cabo a luta política e social contra a ditadura.
As condições de clandestinidade variaram ao longo do tempo, quer pela capacidade organizativa de quem a ela era compelido, quer pela natureza das investidas policiais que visavam desmantelar as estruturas montadas.
De modo necessariamente sumário, podemos distinguir diferentes planos:
• O secretismo inerente aos contactos, reuniões e atividades dos militantes e simpatizantes, implicando, designadamente, o uso de pseudónimos e de senhas e contra-senhas;
• A existência (encoberta) de casas e pontos de apoio, envolvendo pessoas, transportes e instalações - incluindo o acesso a serviços médicos e a redes de recolha de fundos - que, mantendo embora uma existência legal, asseguravam atividades clandestinas e de defesa de militantes perseguidos;
• Casas alugadas ou emprestadas para residência de militantes clandestinos e para realização de algumas reuniões de maior envergadura ou perigosidade;
• Meios de transporte, legais ou ilegais, capazes de assegurar a circulação de militantes clandestinos ou diretamente visados pela ação policial;
• Aparelhos técnicos, designadamente tipografias clandestinas e núcleos de falsificação de documentos, locais de depósito de documentação ou outros materiais – implicando quase sempre a criação de estruturas clandestinas mais ou menos duradouras;
• Meios de comunicação que permitissem realizar em segurança os contactos necessários ao cumprimento das diferentes tarefas;
• Meios humanos e materiais de travessia clandestina (ou dissimulada) das fronteiras, quer terrestres, quer marítimas, quer aéreas;
• Meios de estabelecimento de relações clandestinas com companheiros presos ou exilados.
Gradualmente, iremos publicando textos e testemunhos sobre estas realidades.