A guerra colonial justificou o acionamento pelo regime de Salazar e Caetano de inúmeras ações clandestinas contra os movimentos de libertação das colónias e seus apoiantes, estando esse esforço essencialmente a cargo da PIDE/DGS, em estreita ligação com o Secretariado-Geral da Defesa Nacional e os Negócios Estrangeiros e, naturalmente, com as unidades militares no terreno. Ainda hoje permanecem ocultadas muitas das ações assim planeadas e/ou executadas, avultando entre elas, pela sua dimensão e consequências, a designada “operação Mar Verde” e a subsequente “Operação Safira”.
A “operação Mar Verde”, que terá sido articulada com os serviços secretos franceses, visou, essencialmente, um triplo objetivo: eliminar a direção do PAIGC, instalada em Conacri, fragilizar o seu potencial militar e organizar um golpe de Estado que permitisse derrubar o Presidente da República da Guiné, Ahmed Sekou Touré. Para o efeito, o seu organizador, capitão-tenente Guilherme Almor de Alpoim Calvão, colheu a prévia e expressa concordância do governador e comandante militar da Guiné, António de Spínola, e do Presidente do Conselho de Portugal, Marcelo Caetano.
Tratava-se de mais uma operação clandestina contra países vizinhos mas de inegável maior gravidade - como se verificou após a sua execução.
Alpoim Calvão é elucidativo na enunciação do principal objetivo da operação: "a necessidade que nós tínhamos de dar um golpe profundo no sistema logístico do PAIGC deu origem, então, à montagem de uma operação, sob a forma de um golpe de Estado, ou melhor, utilizando a técnica de um golpe de Estado".
Note-se que as versões sobre os objetivos da operação variam ao longo do tempo e, às vezes, pela boca do mesmo interlocutor, sendo esta a mais divulgada: "Realizar um golpe de Estado na República da Guiné" e "executar um golpe de mão sobre as instalações do PAIGC em Conacri". Outras vezes, trata-se essencialmente de eliminar Amílcar Cabral. Mas, sobretudo após falharem alguns dos alvos pretendidos, a versão dominante passou a ser a de "libertar os 26 militares portugueses qua haviam sido capturados pelo PAIGC.
Entretanto, já tinham sido estabelecidos contactos com uma denominada Frente de Libertação Nacional Guineense (FLNG), procedendo-se à mobilização de indivíduos no Senegal, Costa do Marfim, Libéria, Serra Leoa e Zâmbia - que foram sendo concentrados, para treino militar, durante 7 meses, na Ilha de Soga, no Arquipélago dos Bijagós. Segundo Alpoim Calvão, seriam cerca de 180 elementos.Ao mesmo tempo, o governo português adquiriu fardamento incaracterístico para equipar a força invasora e mandou descaracterizar os meios navais escolhidos, adquirindo também no mercado negro armas e munições de origem soviética ou de outros países do bloco socialista, através da empresa Norte Importadora, de José Joaquim Zoio, que as obteve da firma estatal búlgara Kintex, próxima do respetivo “Comité de Segurança do Estado”.
Em 17 de setembro de 1970, Alpoim Calvão numa LFG (Lancha de Fiscalização Grande) descaracterizada, procedeu a um reconhecimento (essencialmente por radar) do porto de Conacri.
Para a execução da operação foram utilizadas 4 lanchas de fiscalização grandes (LFG) e 2 lanchas de desembarque grandes (LDG)., sendo a força de combate constituída por 72 militares do Destacamento de Fuzileiros Especiais nº 21, 150 militares da 1ª Companhia de Comandos Africanos, cerca de 150 a 200 elementos da "Frente de Libertação Nacional Guineense (FLNG)", elementos da PIDE/DGS, chefias militares e alguns outros com "valências especiais de combate".
A força naval largou da ilha de Soga ao final do dia 20 de novembro, tendo sido apoiada, durante a navegação, por uma aeronave de patrulha marítima Lockheed P2V-5 da Força Aérea. Da ilha de Soga a Conacri distavam pouco mais de 300 quilómetros.
A "Missão" da operação Mar Verde conheceu, como já referido, diversas versões. Assim, já de bordo da LFG "Orion", Alpoim Calvão identifica as seguintes tarefas:
- Destruir o QG central do PAIGC
- Libertar os prisioneiros portugueses que ali se encontram
- Destruir as vedetas e embarcações do PAIGC e Rep. Guiné que se encontram no porto de Canakry
- Neutralizar a aviação no aeroporto, a fim de proporcionar o desembarque em Conakry dos elementos do «Front National de Libération» que para tal a nós recorreram
A mensagem que adiante se reproduz é bem elucidativa das intenções dos atacantes, embora a realidade não lhes correspondesse: "PAIGC completamente destruído excepção Amílcar ausente estrangeiro".
O efeito surpresa da operação permitiria realizar vários dos seus objetivos de desembarque, de destruição, quer na área do Secretariado-Geral do PAIGC, quer nas vedetas da República da Guiné e do PAIGC que se encontravam no porto, de resgate dos militares portugueses aprisionados e, finalmente, de retirada.
Documentação da "operação" cedida pelo Capitão de-mar-e-guerra (R) Luís da Costa Correia, que comandou a LDG "Montante"
Como se pode ver pelo monumento erguido em Conacri para assinalar o 22 de novembro de 1970, o regime da República da Guiné reforçou a sua hegemonia, reprimindo duramente quem tentou derrubá-lo e quantos foram sucessivamente acusações de traição.
O governo português, pelo seu lado, sonhara uma mega operação e, no final, apenas lhe restou mentir: segundo deixou registado Américo Tomás, o governo de Marcelo Caetano apressou-se a declarar que "Foi acolhida com a maior surpresa a comunicação do presidente Sekou Touré de que forças portuguesas participaram na invasão da República da Guiné. Nega-se terminantemente tal acusação de Conakry que não tem o mais ligeiro fundamento."
O ataque a Conacri e os acontecimentos que se seguiram na República da Guiné suscitaram uma importante intervenção de Amílcar Cabral sobre a situação ali vivida e as acusações de traição dirigidas contra a maioria dos quadros responsáveis daquele país: “devemos tomar todas as medidas de segurança necessárias. (…) Devemos tomar todas as medidas de segurança, quer do ponto de vista da defesa de pessoas como do nosso material, para não sermos apanhados de surpresa.”
Por mais mentiras propaladas, ninguém teve dúvidas, seguindo-se os mais violentos ataques da comunidade internacional: O Conselho de Segurança aprovou, logo no dia 08-12-1970, a Resolução n.º 290 que, designadamente "Declara que a presença do colonialismo português no continente africano é uma séria ameaça à paz e à segurança dos Estados africanos independentes" (aprovada com 11 votos a favor e 4 abstenções: Espanha, França, Grã-Bretanha e Estados Unidos).
Não se julgue, no entanto, que a operação de invasão de Conacri, e os seus resultados, iriam fazer ver ao governo de Lisboa e às tropas coloniais que não era aquele o caminho - apesar do que muitos deles passaram a dizer mais tarde.
A título meramente ilustrativo, evocamos abaixo dois outros claros exemplos da natureza incorrigível das tropas coloniais e dos seus mandantes.
No dia 14 de outubro de 1972, em que se realizará em Lisboa o funeral de José António Ribeiro Santos, assassinado pela PIDE/DGS, os jornais anunciaram que, dois dias antes, "Forças portuguesas penetraram no Senegal" - referindo-se à força do exército colonial português, constituída por 3 blindados e comandada pelo capitão de cavalaria Alves Botelho, que violou a fronteira do Senegal na zona de Pirada e atacou um posto militar na área de Velingara, causando dois mortos, um oficial e um soldado senegaleses e um civil de nacionalidade portuguesa. O então governador e comandante-chefe da colónia da Guiné, general António de Spínola, lamentou o incidente e pediu desculpa, acrescentando que se teria tratado de "um caso de perturbação mental, por parte do comandante da unidade, uma vez que agiu fora de sua área de ação e contra todas as ordens superiores." Para melhor cimentar essa versão, anunciou que o oficial que comandava a operação: "vai ser submetido a julgamento em conselho de guerra".
A operação Mar Verde não foi um caso isolado, e muito menos um "caso de perturbação mental". A título de mero exemplo, evocamos aqui uma das diversas incursões das tropas coloniais em território senegalês - que, aliás, era frequentemente sobrevoado/bombardeado por jactos FIAT da Força Aérea portuguesa.
Entre várias outras ações desesperadas, o exército colonial realizou, em maio de 1973, a Operação Ametista Real, que pretendia «aniquilar ou, no mínimo, desarticular a organização do lN na região de Guidaje-Bigene», estando a guarnição portuguesa de Guidage, junto à fronteira com o Senegal, praticamente isolada e sem reabastecimentos e tendo como objetivo principal atacar a base do PAIGC de Kumbamori, no Senegal. Nesta operação, além de três companhias de comandos africanos, participaram também tropas paraquedistas (CCP 121), com a missão de garantir a segurança de um corredor entre Ujeque e Guidaje, através do qual se processaria a retirada.