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Luta armada

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As nossas acções armadas não são actos de guerra: são o único meio que os colonialistas nos deixaram para reivindicar os direitos fundamentais do nosso povo. (1)

No 2.º aniversário do massacre de Pidjiguiti, Amílcar Cabral, "proclama o dia 3 de Agosto de 1961 dia da passagem da nossa revolução nacional da fase da luta política à da insurreição nacional, à acção directa contra as forças colonialistas."

"Dois anos depois, Cabral sublinha que "o ano de 1963 ficará na história do nosso povo como o do começo da nossa luta armada contra as forças colonialistas portuguesas. Com efeito, foi em Janeiro desse ano que, estando preenchidas as condições essenciais a uma mudança radical da nossa luta, os nossos combatentes, apoiados pelo nosso povo, desencadearam a acção armada no sul e no centro-sul do país."

Com efeito, o PAIGC, além do ataque ao quartel de Tite, realizara as primeiras emboscadas na região de Bedanda, no sul da Guiné e, em março, conseguira capturar, no porto de Cafine, dois barcos comerciais, o “Mirandela” e o “Arouca”, que viriam a ser utilizados no transporte de pessoal e materiais.

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Enquanto prossegue a organização do partido no interior da Guiné e na diáspora, o recrutamento de combatentes faz-se com maior intensidade, devendo alguns partir para outros países, designadamente a China, onde irão receber formação militar.

Estas e outras iniciativas do mesmo tipo permitiram fortalecer os meios humanos que aderiam à luta e dar-lhes, crescentemente, uma preparação capaz de defrontar as tropas coloniais. Ou seja, além da justeza da luta, era preciso formar aqueles homens e mulheres que a iam conduzir.

Nesses dois anos, as forças militares coloniais tinham, entretanto, aumentado os seus efetivos de 1.200 elementos para 5.650 (com o reforço de elementos da Armada e da Força Aérea), dispondo já de 7 caças a jacto F-86F Sabre, 8 aviões de ataque ligeiro T-6 Harvard, além de quatro aviões ligeiros de transporte, contando a Marinha, por seu lado, com o contratorpedeiro “Vouga”, duas lanchas de desembarque pequenas e três lanchas de fiscalização da classe Bellatrix.

De janeiro de 1963 para março de 1964, os efetivos coloniais atingirim os 12.066 homens, duplicando os elementos do Exército e da Força Aérea e triplicando os da Marinha.

Naquele ano de 1963, o secretário-geral da Defesa Nacional português, general Venâncio Deslandes, deslocou-se à Guiné e considerou grave a situação: “cerca de uma quinta parte do território mantem-se sublevada, com as populações na sua quase totalidade deslocadas (quase todo o Sector Sul e a área dos manjacos a norte do rio Cacheu)” e alertava para a possibilidade de um ataque sobre Bissau que seria “fácil de executar, com todos os reflexos políticos que acarretaria”.(2)

"Até 1968 a iniciativa militar pertenceu ao PAIGC, tendo-se traduzido não só na flagelação das tropas portuguesas nos seus aquartelamentos mas, também, e especialmente na liberdade de movimentos ao longo do território o que facilitava a propaganda e o recrutamento locais."

Com a nomeação de António de Spínola, os principais objetivos passam a ser «adequar» (o desenvolvimento da Guiné) e «conquistar tempo» (na batalha contra os nacionalistas), a que se somava a criação de meios de propaganda (imprensa e rádio) ao serviço dessa estratégia.

O certo, no entanto, é que os meios e a estratégia desenhada por Spínola, causando dúvidas em algumas populações, acarretou também consequências negativas para o modo de agir do PAIGC, habituado que estava a manter a sua iniciativa política e militar. Foram precisos maiores esforços para combater a propaganda do inimigo (3), desarmando a contra-informação (ou ação psicológica) que produzia e difundia, e a atividade militar teve de ser substancialente repensada, exigindo igualmente armamento mais sofisticado para deter a estratégia e as táticas inimigas.

Os objetivos de Spínola, por outro lado, não prescindiam das operações "emblemáticas" e tonitruantes (como a Mar Verde) que obrigavam a renovados esforços da parte do PAIGC - quase sempre com resultados positivos, tais as consequências internacionais desfavoráveis à política colonial portuguesa que provocavam. E, naturalmente, Spínola não durou muito mais, sendo substituido em setembro de 1973 pelo general Bethencourt Rodrigues.

Nos três teatros de operações (Angola, Guiné e Moçambique) tinha-se assistico entretanto à crescente mobilização de africanos para apoiar o esforço militar português - na Guiné, esse recrutamento local ascendia a cerca de 20% dos efetivos.

E, como comentava Pedro Pires (4): Nessas guerras, o pior é quando o colonialista transforma a guerra de libertação numa espécie de guerra civil. Aí é que está o crime: quando, não podendo ganhar a guerra por meios próprios, se procura transformar a guerra em guerra civil. A guerra entre africanos, a guerra entre vietnamitas. Houve a vietnamização da guerra, houve a africanização da guerra…Aí é que está o crime.

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O reforço da organização das FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo) e das Milícias e o melhor apetrechamento e treino dos seus efetivos permitiu um crescendo na sua capacidade militar e, além disso, fortaleceu o papel desempenhado pelos combatentes na vida das populaçõe das regiões libertadas - que lhes competia defender. Titina Silá foi um exemplo desses militantes e combatentes.

Como se detalhará adiante - Operação Amílcar Cabral - as tropas coloniais encontravam crescentes dificuldades em defrontar as forças nacionalistas, dificuldades essas que eram, simultaneamente, políticas (o sentir das populações e a recusa de muitos portugueses em continuar aquela luta insana) e militares (com uma crescente melhoria do equipamento militar do PAIGC, designadamente, mísseis portáteis Strela 2, morteiros de 120mm, equipamento mecânico, que já incluía viaturas de transporte de tropas e blindados, vedetas, etc.

O reconhecimento internacional quase unânime e o apodrecimento rápido da situação política em Portugal constituiram, sem dúvida, o enquadramento do caminho acelerado para o colapso das forças coloniais na Guiné-Bissau.


(1) Amílcar Cabral, "Relatório sobre o desenvolvimento da Luta de Libertação Nacional na Guiné e Ilhas de Cabo Verde em 1964".
(2) Luís Alves de Fraga, "A Guerra colonial (1961-1974)".
(3) A propaganda desenvolvida por Spínola consistia primacialmente no elogio da traição, recompensada com dinheiro e bens materiais, como se pode observar nos casos de Rafael Barbosa e Momo Touré (ambos "libertados" pela PIDE/DGS do campo de concentração do Tarrafal, então crismado de Campo de Trabalho de Chão Bom, mandado reabrir pelo ministro do Ultramar, Adriano Moreira), indivíduos que, pouco depois, estarão inscritos na conjura para assassinar Amílcar Cabral.
(4) in documentário "Guiné-Bissau. as duas faces da guerra", de Flora Gomes e Diana Andringa, 2008