“A Revolução do Remorso”
Assim designou Sarmento Pimental – um dos líderes do Porto – a revolta que saiu à rua em Lisboa no dia 7, quando já se haviam rendido os revolucionários da “Invicta”.
O movimento havia saído de forma descoordenada em diferentes pontos do país, o que permitiu a resposta atempada da Ditadura.
Na capital, o movimento foi comandado pelo coronel Mendes dos Reis, que se instalou no Hotel Bristol, a S. Pedro de Alcântara. Era coadjuvado pelo tenente-coronel Justiniano Esteves, pelos majores Viriato Lobo, Sangreman Rodrigues e Batista Pereira, pelos capitães Eduardo da Cruz Nunes, Manuel António Vieira e pelos tenentes Abílio dos Reis Morais, Joaquim de Oliveira Lima, Joaquim Videira e Ismael Saraiva.
Sem apoios do Exército, são os marinheiros de Alcântara e do Arsenal da Marinha que iniciam a revolta, na manhã do dia 7 (ver imagem), sob o comando do almirante Câmara Leme e do tenente da Armada Agatão Lança.
Cerca de 150 marinheiros partiram da Praça da Armada, em Alcântara, e conseguiram a adesão das 2ª, 3ª e 4ª companhias da GNR e de várias esquadras de polícia, num total de cerca de 600 homens, para além de algumas dezenas de civis.
Impedidos nos seus avanços para a Rotunda e para Campolide, construíram barricadas no Largo do Rato, Rua Alexandre Herculano, Rua da Escola Politécnica, Praça do Príncipe Real e Bairro Alto, até á Calçada da Glória (ver imagens). Desceram ainda à beira-Tejo e tomaram o Arsenal da Marinha e os Ministérios da Marinha e da Guerra, onde coordenou as ações o ex-Comissário da Emigração, Filipe Mendes.
No Tejo, aderiu à revolução o navio “Carvalho Araújo”, comandado pelo capitão João Manuel de Carvalho.
A defesa governamental iniciou-se com forças de Caçadores 5 de Campolide, que desceram a Rua das Amoreiras e peças de Artilharia 3 e Metralhadoras, colocadas na Rotunda e no Jardim do Torel. Da mãe-de-água das Amoreiras flagelaram impiedosamente os Largos do Rato e de S. Mamede, onde os marinheiros, comandados por Agatão Lança, combateram até à exaustão de homens e munições. No dia 8, reforços de milhares de homens, vindos de Amadora, Mafra e Entroncamento sufocaram completamente os resistentes.
Palcos dos acontecimentos
O movimento revolucionário que se iniciou no Porto, e depois continuou por Lisboa de 7 a 9 de Fevereiro – os dois principais palcos dos acontecimentos – teve ainda manifestações na Figueira da Foz no dia 3, em Vila Real de Sto. António, Tavira e Faro nos dias 4 e 5 e intentonas em Évora, Setúbal, Barreiro, S. Julião da Barra, Amadora, Queluz, Mafra, Abrantes, Tancos, Entroncamento, Leiria, Castelo Branco, Coimbra, Mealhada, Cantanhede, Aveiro, Viseu, Alijó e Valpaços.
Pode dizer-se que a República nunca tivera tantos defensores armados, nem mesmo no “5 de Outubro de 1910”. Também nunca tivera tantos adversários e por isso sucumbiu.
Um bloco revolucionário em minoria
O bloco revolucionário que conduziu a “Revolta de 3 de Fevereiro de 1927” constituiu-se no final do ano de 1926, na sequência dos primeiros sinais de que os militares que tinham feito o “28 de Maio” se preparavam para restringir as liberdades públicas constitucionais e para desmantelar todas as estruturas do Estado liberal – partidos, sindicatos, associações políticas e culturais – impondo em vez da “ditadura temporária regeneradora” que alguns anunciavam, uma “ditadura constitucionalizada” de caráter definitivo.
O bloco revolucionário de 1927 não é uma novidade absoluta. Na sua base estão setores da esquerda republicana, dos socialistas, dos republicanos radicais e de movimentos culturais como a Seara Nova que, desde 1923/1924, tentavam constituir uma alternativa democrata-social – o “bloco das esquerdas” – com força suficiente para constituir uma alternativa de governação ao “partido dominante” e às direitas nacionalistas, onde ganhavam cada vez mais força os simpatizantes do fascismo. É uma frente que podia aspirar a um bom apoio de setores militares republicanos, democratas e antifascistas, em particular de militares que participaram na I Guerra Mundial.
Porém, esta fronda político militar regeneradora e modernizante nunca conseguirá fazer da sua fé e determinação um caminho de vitória. Contra si tinha dois poderosos inimigos – a disposição tirânica do bloco das direitas anti-liberais e fascizantes e o indiferentismo do aparelho político-militar do “partido dominante”, desinstalado pela força militar e muito combatido pelo “bloco das esquerdas” pelos vícios adquiridos de “partido único”.
A “Revolta de 3 de Fevereiro de 1927” redundou numa derrota desastrosa do bloco revolucionário: os implicados foram presos e deportados aos milhares e demitidos dos seus cargos públicos ou afastados da sua vida comum, alguns por muitos anos. Muitas unidades militares implicadas e quartéis de forças da ordem foram desmantelados ao mesmo tempo que perdiam vigor – ou desapareciam mesmo – diversos órgãos de imprensa e eram encerrados partidos políticos e sindicatos.
Uma década depois da Revolta, num almoço comemorativo que reuniu os vencedores, o major Ricardo Durão referia-se àquele momento como “…o batismo de sangue do 28 de Maio; infelizmente – afirmava – sem a argamassa gloriosa do sangue não há construções sociais que perdurem”.