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Diplomacia

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Amílcar Cabral sempre defendeu que a luta contra o colonialismo comportava diferentes componentes políticas e não se cingia à luta armada - "a guerra, a luta armada de libertação nacional foi a única saída que o colonialismo português nos deixou para a reconquista da nossa dignidade de povo africano, a nossa dignidade humana".

Por isso mesmo, sempre deu especial relevância à ação diplomática ou, mais precisamente, à intervenção junto de outros povos e movimentos e junto das organizações internacionais para dar a conhecer a luta anti-colonialista na Guiné e Cabo Verde e para, sempre que possível, coordenar esforços e iniciativas.

A participação ativa de Cabral, antes do início da luta armada, na Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP) e nas organizações que a precederam, como a FRAIN (Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das Colônias Portuguesas) demonstram bem esse seu empenho internacionalista, em estreita ligação com homens como Mário Pinto de Andrade, Viriato da Cruz, Lúcio Lara (Angola), Aquino de Bragança (Goa), Marcelino dos Santos (Moçambique), etc.

Na verdade, Amílcar Cabral sempre entendeu o papel que o pan-africanismo poderia desempenhar no apoio de países já independentes (no âmbito da descolonização verificada após a II Guerra Mundial) aos movimento de libertação das colónias ainda sob dominação portuguesa

É nesse sentido que estabeleceu relações de proximidade com diferentes dirigentes africanos, como Kwame Nkrumah, Presidente do Ghana, Ahmed Sékou Touré, Presidente da República da Guiné, Léopold Sédar Senghor, Presidente do Senegal, Ahmed Ben Bella e Houari Boumédiène, Presidentes da Argélia ou Gamal Abdel Nasser, Presidente do Egito.

Importa sublinhar que a instalação de Amílcar Cabral e do Secretariado-Geral do PAIGC em Conacri foi uma importante plataforma política e diplomática anticolonialista de apoio às lutas de libertação - essa, seguramente, uma das razões do ataque de 22 de novembro de 1970 a essas instalações e a tentativa (então falhada) de eliminar os dirigentes do partido, designadamente Amílcar Cabral e Aristides Pereira.

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Em 27-29 de junho de 1970, realizou-se em Roma uma conferência de solidariedade e apoio aos povos das colónias sob administração portuguesa, que reuniu 177 organizações nacionais e internacionais de 64 países. A delegação do PAIGC, sob a direção de Amílcar Cabral, incluía João Bernardo Vieira (Nino), Vasco Cabral e outros militantes do partido.

A Conferência concluíu que "A nossa ação deve apoiar concretamente o esforço de libertação e de reconstrução nacional da FRELIMO, do MPLA e do PAIGC que a Conferência considera como detentores do poder efetivo nos seus países."

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No seguimento dessa Conferência, o Papa Paulo VI recebeu em audiência especial os dirigentes dos três movimentos (Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Marcelino dos Santos), afirmando que "A Igreja e Nós mesmos estamos ao lado dos que sofrem. Somos pela paz, a liberdade e a independência nacional de todos os povos, particularmente os povos africanos...Rezaremos por vós."

Amílcar Cabral, em nome dos três dirigentes, sublinhou designadamente que "Trazemos a Vossa Santidade a expressão do respeito e da alta consideração não apenas dos católicos dos nossos países, como também dos nossos povos. Não somos contra o povo de Portugal, mas temos o direito de ser livres e independentes."

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Marcelo Caetano entrou em verdadeira histeria, chamando a Lisboa o embaixador junto da Santa Sé e afirmando "a diabólica perfídia com que os nossos inimigos manobram contra Portugal e a sua política ultramarina", ao mesmo tempo que a sua imprensa (Diário de Notícias) titulava a toda a largura da primeira página "Insólito e lamentável o Papa recebeu terroristas".

Mais uma vez, a persistente intervenção diplomática de Amílcar Cabral dava resultados.

A audiência do Papa aos três dirigentes nacionalistas representou uma imensa vitória diplomática e política, criando novos caminhos de afirmação da justeza das lutas que reperesentavam.

Registe-se que o catolicismo não tinha extensa aceitação nos territórios onde se desenvolvia a luta armada, cujas populações seguiam, na sua maioria, práticas animistas, ainda que os colonos brancos se declarassem quase sempre de obediência católica e tentassem, desde há vários séculos, a "conversão dos nativos".

Surgira também, entretanto, um novo fenómeno com a instalação crescente de diversas organizações cristãs, que, frequentemente, apoiavam a escolarização das populações negras e, de modo crescente, afirmavam o seu apoio, ou, pelo menos, a sua compreensão da luta de emancipação dos povos africanos.

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A ação diplomática desenvolvida afirmou a justeza da luta de libertação nacional perante a ONU e também na UNESCO, além da União Africana - assumindo perante cada uma dessas organizações internacionais uma posição clara, exigindo a condenação do colonialismo e a solidariedade com a luta do povo Guineense e Cabo-verdiano. Esse percurso de Cabral irá abrir novas perpetivas de reconhecimento e de apoio, como foi o caso da visita da delegação da Comissão de Descolonização da ONU, às regiões libertadas da Guiné-Bissau, 2 a 8 de Abril de 1972.

Importará aqui referir a permanente ação diplomática levada a cabo junto dos países que, em diferentes formas, prestavam à luta do PAIGC apoio político ou militar ou educativo ou em matéria de direitos humanos - Amílcar Cabral manteve esses diferentes canais abertos, sem, no entanto, se sujeitar aos eventuais ditames dos doadores, assegurando a sua independência e a sua autonomia política.

Merece especial destaque a posição da Noruega que, sendo membro da OTAN, se bateu contra a utilização pelo governo português na guerra colonial de armamento com origem nos países que integravam essa organização.

A Suécia, por sua vez, não fornecendo material bélico ao PAIGC, prestou-lhe, no entanto, substancial apoio em áreas políticas e culturais como foi a edição dos livros de leitura preparados pelo PAIGC para as suas escolas.

Outros países, designadamente a ex-URSS, a ex-Jugoslávia, os países europeus do bloco socialista, a China ou o Vietnam estenderam essa solidariedade ao campo militar, acrescido, nalguns casos, como o de Cuba, com a formação de jovens guineenses em matérias como o cinema (aí se formaram, designadamente, os cineastas Sana na N’Hada ou Flora Gomes).